Juristas apontam ilegalidades no processo de impeachment
Nesta quinta-feira (14), um grupo de juristas e representantes do Ministério Público (MP) entregou à presidenta da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia, deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), documento contestando o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Publicado 14/04/2016 20:58
O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcello Lavenère, esclarece que Dilma não cometeu crime de responsabilidade quando se trata das chamadas pedaladas fiscais. “Qualquer tentativa de aprovação do impeachment sem substância jurídica se torna ilegítima, uma fraude processual. São estes os elementos que os juristas estão trazendo à consideração dos parlamentares.”
MANIFESTO EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO
A democracia brasileira está sob forte ameaça. O impeachment que se pretende impor à Presidente da República não tem fundamento constitucional. O que prevalece, no atual movimento de ruptura institucional, são interesses subalternos de segmentos políticos e empresariais que foram incapazes de chegar ao poder pelas urnas. Até o presente momento, o resultado das eleições de 2014 não foi aceito e os grupos derrotados pretendem usurpar, pela via excepcionalíssima do impeachment, o poder conferido pelo voto popular. No presidencialismo, o mandato do chefe de governo não está à livre disposição do Parlamento. Seu princípio maior, afirmado contundentemente no movimento fundador da nossa atual democracia – o movimento das Diretas Já –, é a eleição direta do Presidente da República.
Setores da magistratura, do ministério público e da polícia têm exorbitado gravemente no exercício de suas competências e atribuições. Há evidentes abusos no emprego de institutos como a colaboração premiada, a escuta telefônica, a prisão preventiva e a condução coercitiva. Há vazamentos seletivos de informações sigilosas com o propósito de interferir no curso regular do processo de impeachment.
O apoio da grande imprensa a essas práticas ilegais cria o ambiente cultural para que o estado de direito se degenere em estado policial. Responsabilizar plenamente quem tenha praticado crimes e se apropriado de recursos públicos é fundamental em um regime republicano. Mas essa responsabilização só pode ocorrer em conformidade com o princípio do devido processo legal: o caminho prescrito pelos procedimentos legais é o único que pode ser seguido pelas autoridades públicas em um estado democrático de direito.
Muitos dos signatários deste manifesto lutaram contra a ditadura e, como advogados, professores de direito e doutrinadores, foram artífices da república democrática que se construiu no Brasil com a Constituição Federal de 1988. É com a autoridade de quem sempre propugnou pela liberdade, pela integridade e pelo fortalecimento da magistratura que consignam uma importante reafirmação de princípios: juízes devem pautar sua atuação pela firmeza, pela coragem, mas também pela serenidade e pelo equilíbrio. Espera-se dos magistrados imparcialidade e equidistância em relação às forças políticas em disputa. Sobretudo os juízes devem sempre ter como norte que o exercício do poder só é legítimo em uma democracia constitucional quando adstrito aos limites fixados pela legalidade e pelo devido processo legal.
A política brasileira está com os sinais trocados. Pesquisa realizada pelo DATAFOLHA concluiu que 76% do povo brasileiro eram contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas, e 79% consideravam tal tipo de financiamento a causa principal da corrupção eleitoral no Brasil. Os deputados que hoje tentam capturar o discurso da etica para apoiar o impeachment votaram maciçamente a favor do financiamento empresarial de campanhas e buscaram, de todos os modos, superar a histórica decisão do STF que o proibiu. Mais uma vez o risco de ruptura institucional advém de setores que, nada obstante se apropriem retoricamente da moralidade pública, sempre se opuseram ao efetivo aprimoramento dos costumes políticos nacionais.
Com o propósito de promover o impeachment, o Presidente da Câmara de Deputados pratica condutas gravemente contrárias aos princípios da impessoalidade e da moralidade. O desvio de finalidade se converteu em instrumento ordinário de condução dos trabalhos parlamentares.
Impeachment, nessas condições, é golpe.
Crimes de responsabilidade são “atentados à Constituição”. A alegada violação da lei de responsabilidade fiscal e a edição de decretos para a abertura de créditos suplementares, supostamente sem autorização legal, são justificativas absoluta e evidentemente improcedentes. Impor, com base nesses fundamentos, o impeachment é, isto sim, praticar gravíssimo atentado à Constituição Federal de 1988. Nenhuma das duas situações corresponde ao conceito de “atentado à lei orçamentária”, entre outras razões, porque:
1) a denúncia não descreve a prática de nenhum ato atribuível à Presidente da República, no tocante à alegada violação da lei de responsabilidade fiscal;
2) lei de responsabilidade fiscal não se confunde com lei orçamentária;
3) não houve operação de crédito entre a União e qualquer instituição financeira estatal por ela controlada, e, consequentemente, não existiu qualquer ofensa à lei de responsabilidade fiscal;
4) a abertura de crédito suplementar por meio de decreto possui expressa previsão legal e constitucional e não guarda relação direta com o cumprimento ou não da meta fiscal;
5) a abertura de crédito suplementar para despesa discricionária está condicionada à disponibilidade de recursos para se concretizar;
6) a abertura de crédito suplementar para despesa obrigatória é dever legal da chefia do poder executivo.
Os advogados e professores de direito que subscrevem o presente manifesto ora se organizam para lutar pela preservação da democracia e do estado de direito no Brasil. Organizam-se como MOVIMENTO DE ADVOGADOS, ADVOGADAS E JURISTAS EM DEFESA DA LEGALIDADE E DA DEMOCRACIA (AJLD). O Movimento reconhece a OAB como legítima representante dos advogados brasileiros e se inspira em seu legado de luta pela liberdade. Todavia, não aprova a política da direção atual, que se encontra enredada em erro histórico – comparável apenas à adesão inicial da entidade ao golpe militar de 1964. A vocação do advogado é para a defesa da democracia, da legalidade e do devido processo legal, e a OAB certamente voltará a ser uma voz eloquente na defesa da cidadania.
O que está em jogo é a sobrevivência da Constituição Federal de 1988. Com o objetivo maior de preserva-la como Constituição democrática, defendemos o pleno respeito aos direitos e garantias individuais; a proteção das conquistas sociais incorporadas à Constituição Federal de 1988; a realização de uma reforma política democrática; a rejeição do impeachment sem fundamento constitucional.
Em Defesa da Constituição!
Pela preservação da democracia e do estado de direito!
Não ao Golpe!
Assinal, entre outros:
Dalmo de Abreu Dallari (SP)
Fabio Konder Comparato (SP)
Gilberto Bercovici (SP)
André Ramos Tavares (SP)
José Francisco Siqueira Neto (SP)
Pedro Estevam Alves Pinto Serrano (SP)
Luis Carlos Moro (SP)
Martonio Mont'Alverne Barreto Lima (CE)
Lênio Luiz Streck (RS)
Aldo Silva Arantes (DF)
Marcello Lavenère Machado (Ex-presidente da OAB)
Técio Lins e Silva (IAB)
Silvia Lopes Burmeister (ABRAT)
Juarez Tavares (RJ)
Rosa Cardoso (RJ)
Eny Moreira (RJ)
Modesto da Silveira (RJ)
Roberto Martins Rodrigues (RJ)
Roberto Amaral (RJ)
Nilo Batista (RJ)
Cezar Britto (Ex-presidente da OAB)
Claudio Pereira de Souza Neto (OAB)
Álvaro Augusto Ribeiro da Costa (Ex-AGU)
João Pedro (Ex-PGT)
Beatriz Vargas (DF)
Marcelo Neves
Gustavo Santos (PE)
Antônio Maués (PA)
Carlos Marés (PR)
Ricardo Fonseca (PR)