Deus e o Diabo na votação do impeachment 

“Como pai e educador, lembro Moacir Gadotti, que dizia que não é possível estar feliz se apenas seu filho tem escola, casa, comida, direito a uma vida digna, e, ali na porta da sua casa, está uma criança gritando de fome”, disse o deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA) na sessão de votação do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, neste sábado (16), respondendo à bancada evangélica, que vê nas políticas públicas inclusivas do governo uma ameaça ao modelo de família tradicional.  

Deus e o Diabo na votação do impeachment - Agência Câmara

Para o deputado Edmilson Rodrigues, essas falas de defesa da família são desmentidas pela prática política dos deputados que apoiam a oposição, composta principalmente pelo PSDB: “É ou não uma violência, expressão dessa crueldade, o roubo da comida das crianças da rede escolar de São Paulo (…) E sabem o que explica isso? Talvez mereça aqui uma homenagem um líder espiritual contemporâneo importante, o Papa Francisco, que se refere ao demônio do dinheiro. É contra a demonização do dinheiro que nós temos que lutar.

A bancada evangélica, da tropa de choque do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que é proprietário da empresa jesus.com (“com” é a terminologia da internet para “comércio”), foi quem fez os discursos mais inflamados contra o governo Dilma, que ao promover políticas de inclusão social compromete os dogmas de suas igrejas baseado na formação da família tradicional.

O deputado Leonardo Quintão (PDB-MG) entusiasmado com a suposta vitória do impeachment, adiantou que, em conversa com o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), que assumiria o cargo de presidente da República no caso de impedimento de Dilma, ele (Temer) colocará Deus no comando dessa Nação. “Em meu discurso de posse vou colocar Deus no comando desse país”, disse o parlamentar, repetindo as palavras de Temer.

Discurso ou pregação

O deputado Pastor Marcos Feliciano (PSC-SP), que se notabilizou pela perseguição às minorias – mulheres, negros, homossexuais, índios -, usou a tribuna da Câmara como se fosse o púlpito de sua igreja. “Existem crimes que nós não conseguimos tipificar. Que nome podemos dar ao crime de um bandido que destrói a mente de uma criança em formação na sua primeira infância e a desvirtua sexualmente quando ainda é praticamente um embrião, um ser humano em formação? Que nome damos a esse crime? Pedofilia? Para este Governo, não é pedofilia, é apenas a mera expressão de que o gênero humano tem que ser reconstruído a partir da liberdade de pensamento.”

E prosseguiu: “Que nome podemos dar ao crime de uma mulher que, em nome de sua sanidade mental e da proteção do seu próprio corpo, assassina uma criança, um bebê, um feto até a décima segunda semana da gestação? Para nós, é aborto, mas, para este Governo, não é crime e, tampouco, crime hediondo.”

Para o pastor, “que nome podemos dar ao crime de um pai que pega o dinheiro que deveria ser aplicado na saúde dos seus filhos e o destina para a saúde de filhos de outros? Estou falando deste Governo, que investiu 10 milhões de dólares na construção de um hospital na Palestina, enquanto os hospitais no Brasil estão em frangalhos."

O deputado Roberto de Lucena (PV-SP) também fez um discurso moralista, produzindo ataque às mulheres: “É uma crise espiritual, formulada pela quebra de princípios, pela relativizacão de valores, pelo derramamento de sangue inocente de milhões de crianças abortadas neste País (…) e também porque o Brasil, através de sua representacão maior, virou as costas para Israel, e, fazendo isso, desprezou as bênçãos advindas dessa relação”, reforçando as críticas feitas por Feliciano contra a ajuda humanitária do governo às crianças palestinas.

O Pastor Feliciano, ao finalizar sua fala, disse que “o PT é partido das trevas. Só quem tem pacto com as trevas faz pacto com o diabo para colocar o Brasil onde ele está hoje”, afirmou, acusando o governo de ter dividido o país.

Divisão vergonhosa

O deputado Padre João (PT-MG), respondeu ao pastor, explicando que a acusação de que o governo dividiu o Brasil é de quem não tem sensibilidade para enxergar a realidade brasileira nos 500 anos ou que não estudou História, “porque o Brasil sempre foi dividido.”

“A maior divisão vergonhosa do Brasil era aquela daqueles que tudo tinham e daqueles que nada tinham, uma maioria que nada tinha e uma minoria que tudo tinha e que explorava sempre os mais pobres, índios, negros, trabalhadores do campo e da cidade. Essa era a divisão que envergonhava o nosso País”, falou o deputado.

“Tenho orgulho de ser do Partido dos Trabalhadores, porque foi o PT que conduziu um projeto neste País, um projeto de inclusão, um projeto de inserção social, um projeto de igualdade, um projeto que tirou o Brasil do mapa da fome, e não é o reconhecimento do PT, não. É o reconhecimento da ONU”, disse, acrescentando que o Brasil não está mais no mapa da fome, porque a divisão que o escandalizava era daqueles poucos que tinham acesso à comida e daqueles milhões que não tinham acesso à comida.

“Hoje, os jovens estão nas universidades, os trabalhadores e trabalhadoras das fazendas deixaram de fazer trabalho análogo ao escravo. Essa é a raiva dos ruralistas, porque não têm uma força de trabalho barata; é a raiva das batedeiras de panela, porque não têm uma empregada doméstica sem pagar o salário mínimo; essa é a razão do ódio que eles vêm disseminando no nosso País”, acrescentou.

A meta do Lula era a de que cada brasileiro tivesse, pelo menos, três refeições. Hoje, todo o brasileiro se alimenta bem. Quanto soma quem estava abaixo da linha da miséria e abaixo da linha da pobreza? Somam 42 milhões de brasileiros. É mais do que uma Argentina que saiu da miséria e da pobreza. É isso que deixa V.Exas. indignados.”