Temer significa restauração neoliberal e submissão aos EUA

Em entrevista para o diário argentino Página/12,João Pedro Stédile, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, mobilizou milhares de militantes, em dezenas de Estados, contra o golpe institucional que está sendo votado neste dia 17 de abril, em sessão extraordinária da Câmara dos Deputados.

Por Darío Pignotti, direto de Brasília, para o Página/12

Stédile

Economista com pós-graduação na Universidade Autônoma do México, Stédile é membro da Vía Campesina, entidade em favor dos pequenos trabalhadores rurais, que reúne organizações de dezenas de países em todo o mundo. “Se a escalada destituinte contra a presidenta Dilma Rousseff fracassar neste domingo, deverá começar, na próxima semana, a formação do terceiro governo de Lula”.

Por que você acha que será um terceiro governo de Lula?

O governo de Dilma, tal como o conhecemos atualmente, especialmente nestes anos de 2014 e 2015, é um governo que acabou, como consequência do desgaste sofrido depois de suportar a hostilidade do Congresso durante todo esse tempo. O governo que pode surgir depois de domingo terá Lula como coordenador. Um governo surgido de uma nova aliança com a sociedade. Por isso, nós dos movimentos populares o chamamos Governo Lula III. Se o golpe for barrado, haverá um gabinete novo, com uma nova política econômica, para tirar o país da crise e evitar males maiores para as classes trabalhadoras. Por isso, é muito importante a mobilização deste domingo. É parte de uma disputa maior, mais prolongada, pela hegemonia. Estamos disputando um campeonato, teremos lutas por um longo tempo, provavelmente até 2018, ou até mesmo depois das eleições de 2018. Agora nós vamos perder alguns partidos, e vamos ganhar outros. Já tivemos outras crises históricas, nos Anos 30, nos Anos 60 e nos Anos 80. Após cada um desses momentos históricos, o país demorou ao menos dez anos até encontrar uma saída.

Mas e se o impeachment vencer, e o vice-presidente Temer assumir?

Um governo de Michel Temer e do seu partido, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), representa o projeto das elites. O que está em jogo é o retorno ou não do neoliberalismo. Eles precisam derrubar a Dilma para essa restauração neoliberal. Esse é o elemento central deste momento da luta de classes que se intensificou. A votação do impeachment é fundamental, porque explicita os interesses das classes dominantes, e sua decisão de descarregar nas classes trabalhadoras os prejuízos da crise econômica mundial. Neste domingo, será jogado um jogo decisivo, como uma final de Copa do Mundo.

Como você definiria Michel Temer?

Ele é o nosso Mauricio Macri. Temer é um aventureiro burguês, que é tão vaidoso que quer ser presidente antes de que sua vida útil como político, que já está se acabando, termine de uma vez. Mas mais que falar de sua figura, digamos o que ela representa politicamente. Temer representa as parcelas da burguesia subordinadas aos interesses dos Estados Unidos, os bancos, as corporações multinacionais que buscam recompor suas taxas de lucro atacando os direitos e as conquistas dos trabalhadores. Um governo de Temer seria insustentável. Se desataria o caos no país, porque os trabalhadores vão reagir. Por isso, acho que Michel Temer, apesar do que dizem alguns analistas, não será uma solução para a crise econômica e política que estamos vivendo.

Um dos personagens centrais do bloco opositor é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, correligionário de Temer. Figura ascendente, apesar da sua ficha criminal e de suas manobras como arquiteto do impeachment. Quem é Eduardo Cunha?

É outro burguês, como Temer. Cunha enriqueceu desviando dinheiro público. É réu no Supremo Tribunal Federal, e eu espero que esse tribunal tenha a coragem de acelerar o processo contra ele, para que ele finalmente pague pelas suas maracutaias. Por que ele tem tanto poder no Congresso? Sua força surge de um gigantesco esquema de corrupção montado por ele, durante anos, através de acordos com empresas que financiaram suas campanhas eleitorais. Cunha é quem articula esse aparato, que possui muitos deputados envolvidos, e são esses os deputados lhe dão esse poder.

As classes médias levantam a luta contra a corrupção como principal bandeira, e idolatram o juiz Sérgio Moro. Esse é o principal problema do Brasil?

O Brasil vive uma grave crise econômica, política, social e ambiental. Nesse contexto, a corrupção é parte do modus operandi histórico de uma burguesia que sempre se apropria dos recursos públicos em proveito pessoal ou de suas empresas. A causa judicial pelos desvios de dinheiro na Petrobras, dirigida pelo juiz Sérgio Moro, não serve para nada, mesmo que ataque alguns operadores da rede de corrupção, mas isso não resolve o problema. O que necessitamos para atacar a corrupção é uma reforma política surgida de uma assembleia constituinte, mas para se chegar a essa assembleia é preciso de muita pressão popular, pressão vinda das ruas, é um processo que pode demorar bastante tempo, talvez anos. O problema mais importante da sociedade brasileira é que ainda somos uma das sociedades mais desiguais e injustas do mundo.

Barack Obama evitou demonstrar apoio a Dilma Rousseff, o que alguns interpretaram como uma forma dissimulada de apoiar Michel Temer. O que você opina sobre essa leitura?

Um governo de Temer seria totalmente alinhado aos interesses norte-americanos. Como eu disse, Temer seria o nosso Macri, mas se ter sido eleito, sem ter nem um único voto a seu favor. Com relação aos Estados Unidos, acho que o mais grave é que estão aplicando uma política para que suas empresas dominem a nossa economia. O modus operandi norte-americano consiste em se aliar com parlamentares brasileiros para conseguir essa dominação. Vejamos o caso da petroleira Chevron, que através do senador José Serra, do PSDB, está impulsando um projeto que prevê a modificação da lei de partilha, para avançar na direção da privatização dos recursos em águas ultraprofundas na região do Pré-Sal. Além dessas manobras privatizadoras, há outras articulações ideológicas amplas, que relacionam o projeto histórico da burguesia, os interesses estadunidenses e os meios de comunicação, defensores das privatizações, que são, na verdade, o partido ideológico do capital.

Você poderia comentar essa crise a partir de suas implicações internacionais?

Nos últimos anos, foram desenhados três grandes projetos na América Latina. Um deles é o neoliberal, do qual já falamos antes. Depois veio o neodesenvolvimentista, que foi o da tentativa de conciliação de classes, entre uma parte da burguesia que dependia do mercado interno e os trabalhadores, e cujo modelo se esgotou, porque o capitalismo periférico entrou em crise e tornou essa conciliação inviável. E, finalmente, tivemos o projeto capitaneado pelo presidente Hugo Chávez, que propunha um modelo anti neoliberal e anti imperialista, mas esse modelo também entrou em crise. Portanto, agora temos três modelos em crise, e diante disso, o importante é conscientizar as classes populares, para que possam se rearticular e produzir um gigantesco movimento de massas, para formular novas alternativas.

Tradução: Victor Farinelli