Feministas agradecem declaração de Sanders e questionam Hillary

As primárias nos Estados Unidos da América seguem em ritimo acalourado. Em carta, feministas brasileiras agradecem declaração de Sanders e questionam silêncio de Hillary sobre golpe que prejudica 100 milhões de brasileiros. 

Bernie Sanders

Confira a íntegra da carta

Caro Bernie,

Estamos ouvindo sua mensagem, no mundo inteiro, em alto e bom som. Obrigada por se pronunciar a respeito de questões jamais mencionadas por políticos tradicionais.

Como feminista comprometida, fiquei dividida entre os pré-candidatos democratas. O senhor falou diretamente ao meu coração e isso me sensibilizou profundamente. No entanto, a Senadora Clinton falava pelas questões do meu gênero, e isso também tinha importância.

Há poucos dias, o senhor se referiu à necessidade de os Estados Unidos pararem de derrubar governos latino-americanos em função dos seus próprios interesses.

O senhor não disse apenas que era um equívoco o que Kissinger havia feito nos anos 60. O senhor afirmou que os Estados Unidos têm que parar de fazê-lo neste exato momento, e eu o ouvi claramente.

Sou uma cidadã brasileira. No dia anterior ao seu discurso, assistimos dar-se o pontapé numa tentativa ilegal de derrubar nosso governo democraticamente eleito.

Ouvimos o senhor pronunciar-se contra este processo no dia seguinte. Talvez o senhor ainda não saiba, mas suas palavras significaram muito para nós. Bernie, sua fala me atingiu.

À distância, derrubar um governo e mudá-lo por uma outro pode parecer somente uma troca de peças num jogo de xadrez, mas não é.

Trata-se de um ato que afeta profundamente o cotidiano de 200 milhões de pessoas e seu acesso a direitos humanos básicos. É um ato que afeta as mulheres profunda e desproporcionalmente.

A agenda do golpe promove ataques em cada uma das gerações de direitos humanos. Ela fere hossas liberdades, nossa igualdade, nossa dignidade. De direitos trabalhistas aos direitos da mulher, cada aspecto relevante da vida cotidiana da nossa gente está ameaçada.

Nós não somos apenas um mercado consumidor. Somos seres humanos, Bernie. Somos mães solteiras negras que corremos o risco de sermos novamente renegadas pelo estado. Somos mulheres pobres que morrem porque não temos direito sobre nossos corpos. Somos crianças miseráveis sob a ameaça de morrermos de fome novamente.

Somos mulheres mortas por nossos companheiros pelo simples pecado de sermos mulheres.

Somos o país que mais mata mulheres transgêneros no mundo. Somos mães trabalhadoras correndo o risco perder sua estabilidade no emprego, um salário mínimo digno, seus benefícios sociais. Nesse processo de perda de visibilidade e direitos, as mulheres são mais duramente atingidas.

Temos uma mulher presidenta. É a primeira vez que, em nossos 500 anos de história em que 50% da população é vista e compreendida, de maneira que possamos lidar com a peculiaridade de nossas questões.

Aquelas pecinhas de xadrez significam que a vida de 100 milhões de mulheres está posicionada na linha de frente do campo de batalha. Seremos as primeiras atingidas.

Uma feminista não pode apoiar o direito ao trabalho digno no plano interno enquanto condena as mulheres de países vizinhos a regime de semi-escravidão no trabalho e à violência de gênero. Desejaria que toda mulher que compreende o feminismo como uma questão global percebesse isso.

A tentativa de derrubar a primeira mulher eleita presidenta está sendo arquitetada há meses. Ao longo de todo este processo, a Senadora Clinton manteve-se muda a este respeito. Ela permanece uma amiga de Henry Kissinger.

O presidente Obama, cuja visita recente à Argentina incluiu uma extensa revisão do papel dos Estados Unidos em promover e patrocinar ditaduras no continente, não disse uma palavra sobre o golpe em curso no Brasil. Pessoalmente, isso foi decepcionante.

Eu havia doado meu tempo fazendo campanha para Obama nas redes, porque as políticas americanas contemplam primariamente cidadãos americanos mas nos afetam a todos, indiretamente.

Em 2008, sonhamos com Estados Unidos melhores, e isso se tornou realidade em vários aspectos. Mas agora, sinto como se nós, latino-americanos, tivéssemos ficado com o lado mais curto do cobertor. Para nós, restou o dano.

Como toda mulher — seja ela cubana, nicaraguense ou brasileira — merecemos ser vistas e consideradas pelos criadores de políticas internacionais.

Acredito que nenhuma mulher que apoie a luta pela igualdade de gênero deva votar em uma candidata que fala em favor dos direitos das mulheres americanas no plano doméstico e, simultaneamente, se alinha a forças conservadoras que objetivam despedaçar direitos humanos básicos de 100 milhões de mulheres, no plano internacional.

Diante disso, não há como apoiar a candidatura da Senadora Clinton.

Desejo que toda mulher americana que acredite em igualdade de gênero também pense profundamente sobre esta questão.

Faço os melhores votos nesta sua corrida rumo à Casa Branca.

Andrea Gorenstein