Lula: Se pensam que vão destruir nossa motivação é só olhar para a rua
“Nós só queremos uma coisa: respeitem o voto popular e se querem ganhar as eleições esperem 2018”, afirmou o ex-presidente Lula em seu discurso durante o seminário “Democracia e Justiça Social” da Aliança Progressista, em São Paulo, nesta segunda-feira (25), evento que conta com a participação de representantes da África, Ásia, América Latina e Europa. No discurso, o ex-presidente salientou que está convencido de que “haverá muita luta”.
Publicado 25/04/2016 14:01
“Eles se preparem, pois se pensam que vão destruir a nossa motivação é só olhar para a rua e ver a diferença do povo que está na rua. Do nosso lado tem uma juventude ávida que quer discutir política acreditando que sem política não há saída. E do outro lado, a turma que nega política. Que diz que político não presta, que é tudo ladrão, corrupto e nem sabe em quem votou na última eleição”, enfatizou Lula.
Lula destacou que a atual crise é resultado do inconformismo da direita conservadora com as quatro vitórias consecutivas do campo progressista no Brasil.
“A oposição, derrotada nas urnas pela quarta vez consecutiva, optou pela estratégia golpista para voltar ao poder. Para implantar, por caminhos autoritários, a agenda neoliberal derrotada nas urnas; a agenda de desconstrução das conquistas sociais e de entrega do patrimônio nacional”, declarou. Por conta da rouquidão de sua voz, parte do discurso de Lula foi lido pelo ex-ministro Luiz Dulci.
Lula bateu duro no parlamento comandado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. “Uma aliança oportunista entre a grande imprensa, os partidos de oposição e uma verdadeira quadrilha legislativa, que implantou a agenda do caos. Esta operação foi comandada pelo presidente da Câmara dos Deputados, réu em dois processos por corrupção, investigado em quatro inquéritos e apanhado em flagrante ao mentir sobre suas contas escondidas no exterior”, salientou.
Segundo ele, Cunha aceitou a tramitação do processo de impeachment como vingança. “Quando os deputados do PT se recusaram a acobertá-lo no Conselho de Ética, o presidente da Câmara abriu o procedimento do impeachment.”
Sobre o impeachment, Lula destacou que “tirar a Dilma do jeito que eles querem tirar é a maior ilegalidade desde o golpe militar de 1964”. “O argumento é sempre o mesmo: acabar com a corrupção. Foi assim que Hitler cresceu. Foi assim e Mussolini cresceu. E é assim que a direita cresce em todos os países da América Latina”, completou.
Ele também resgatou a operação Mãos Limpas, na Itália, que o juiz Sergio Moro, da Lava Jato, usa como parâmetro para suas ações.
“A Itália, mais do que ninguém, sabe o que significou a operação Mãos Limpas… O resultado foi a eleição de Berlusconi. E aqui no Brasil, para combater tudo isso, eles querem pela via indireta eleger um presidente.”
Ele frisou que o vice-presidente Michel Temer é advogado e sabe que a Dilma não cometeu nenhum crime que lhe permita sofrer impeachment. “Mesmo assim resolveram tomar uma decisão política.”
Lula denunciou ainda que uma das razões da oposição para dar um golpe contra o mandato de Dilma é abafar as investigações e o combate à corrupção no país. “Os golpistas querem voltar ao poder para controlar, justamente a polícia. Intimidar o Ministério Público e a Justiça, como fizeram no passado. Para restabelecer o reino da impunidade que sempre os preservou.”
Lula lembrou que os avanços sociais garantidos nos últimos anos incomodam a elite brasileira. “Temos uma elite muito estranha. Fomos o último país a abolir a escravidão. Fomos o último a ter o direito do voto à mulher. Fomos os últimos a garantir a independência (…) nossa primeira universidade foi somente em 1922, quatrocentos anos depois de descobrimento. A República Dominicana já teve a sua primeira universidade 15 anos depois. Isso demonstra o quanto uma parte da elite econômica e política foi perversa com relação a permitir a subida de um degrau das pessoas mais pobres”, resgatou.
Lula pontuou que durante um século o Brasil só conseguiu colocar 3,5 milhões de jovens na universidade. Enquanto a Argentina e o Chile têm 40% ou mais de jovens na universidade, o Brasil só agora chegou a 18%. “Isso porque nós conseguimos em 12 anos dobrar o número de estudantes universitários”, destacou.
E acrescentou: “Somente através do respeito à democracia, do respeito ao voto popular, das instituições democráticas que nós criamos é que vai consolidar a democracia. Se alguém está cansado de democracia é bom avisar que nós começamos a gostar dela agora e não vamos parar de defendê-la”.
Confira a íntegra do discurso de Lula lido por Dulci no evento:
Quero começar saudando os 42 anos, completados hoje, da Revolução dos Cravos, quando o povo de Portugal libertou-se da ditadura.
O “25 de Abril” tornou-se uma referência para os democratas e os progressistas em todo o mundo, especialmente na América Latina e no Brasil.
Num momento em que vivíamos debaixo da opressão e da tirania, a Revolução dos Cravos nos encheu de esperança.
A vitória do povo português reforçou nossa crença de que sempre vale a pena lutar pela democracia, por um mundo mais justo e por uma sociedade mais igualitária.
Estas são as causas que nos unem e nos levam a lutar sempre, por maiores que sejam os obstáculos. A essas causas dedicamos nossa vida.
É uma honra para o Brasil sediar este encontro da Aliança Progressistas, que congrega partidos e movimentos todas as partes do mundo.
Agradeço de coração aos democratas e progressistas de todos os países que, nesta hora difícil, estão solidários com o povo brasileiro e com a presidenta Dilma Rousseff.
O que está em jogo em nosso país é mais do que o mandato legítimo da presidenta Dilma Rousseff.
É o voto soberano de 54 milhões de mulheres e homens, que a escolheram livremente para governar o país.
O que está em jogo é o risco de interromper um processo histórico, que passou pela conquista da democracia e nos levou a avanços extraordinários do ponto de vista social, político e econômico.
Um processo histórico que levou à eleição de governos democráticos e populares na ampla maioria dos países da América Latina.
E que resultou na melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da população mais humilde em quase todos os países dessa região, com mais de 600 milhões de habitantes.
No Brasil e na América Latina o processo democrático abriu caminho para a conquista da cidadania e da dignidade por milhões de pessoas que viviam em condições desumanas.
O que aconteceu em nossa região, neste início do Século 21, foi uma revolução pacífica, comandada pelo voto popular, como nunca antes ocorreu.
Para falar apenas do Brasil, que desde 2003 é governado pelo PT e pelos partidos aliados,
basta lembrar que nesse período tiramos o País do vergonhoso Mapa da Fome.
Libertamos mais de 36 milhões de pessoas da extrema pobreza, criamos mais de 20 milhões de empregos formais e praticamente dobramos o valor real do salário mínimo.
Abrimos as portas da universidade para quase 4 milhões de filhos das famílias mais humildes, da juventude negra das periferias e também dos indígenas.
Reduzimos as diferenças entre os que tinham tudo e os que nada tinham.
Pela via democrática, em pouco mais de uma década de governos progressistas, conseguimos tornar mais justa e equilibrada a América Latina.
Contribuímos para tornar o mundo menos faminto, menos miserável, menos desigual.
Avançando no rumo da liberdade e da justiça, nossa região tornou-se menos vulnerável aos apelos do ódio, da violência política, do terrorismo.
Hoje a América Latina é uma região sem guerras, sem ódio religioso ou étnico. Essa é nossa grande contribuição para o mundo.
O Brasil e a América Latina tornaram-se atores globais, apoiando as causas mais importantes para o planeta: por uma nova ordem econômica, pela proteção e valorização do meio ambiente, pelo multilateralismo, a redução do perigo nuclear, o reconhecimento dos direitos das mulheres e o fim de todas as discriminações.
Contribuímos ativamente na luta pela paz, articulada com a luta pelo desenvolvimento sustentável em escala global.
O que está em jogo nesse momento é a continuidade do processo democrático no Brasil e em toda a região.
Companheiras e companheiros,
É fato que, além dos impactos da crise internacional sobre a nossa economia, a população do Brasil sofre com falhas do governo que precisam ser corrigidas.
É fato que as pessoas estão insatisfeitas e querem retomar o caminho do crescimento.
Mas também é verdade que, no Brasil, a oposição, derrotada nas urnas pela quarta vez consecutiva, optou pela estratégia golpista para voltar ao poder.
Para implantar, por caminhos autoritários, a agenda neoliberal derrotada nas urnas; a agenda de desconstrução das conquistas sociais e de entrega do patrimônio nacional.
Enquanto o governo se esforçava para equilibrar as contas públicas, cortando na própria carne, a oposição trabalhava para agravar a crise.
Foram 18 meses de sabotagem no Legislativo, com a cumplicidade dos grandes meios de comunicação, que difundem o pessimismo e a incerteza 24 horas por dia.
Uma aliança oportunista entre a grande imprensa, os partidos de oposição e uma verdadeira quadrilha legislativa, que implantou a agenda do caos.
Esta operação foi comandada pelo presidente da Câmara dos Deputados, réu em dois processos por corrupção, investigado em quatro inquéritos e apanhado em flagrante ao mentir sobre suas contas escondidas no exterior.
No dia 2 de dezembro do ano passado, quando os deputados do PT se recusaram a acobertá-lo no Conselho de Ética, o presidente da Câmara abriu o procedimento de impeachment.
Não havia e não há, absolutamente, nem fatos nem sustentação jurídica para esse processo.
Foi um gesto claro de vingança, ao qual se juntaram, sem nenhum pudor, os chefes da oposição derrotada nas urnas.
A marcha dos golpistas se acelerou quando a presidenta Dilma me convocou para colaborar com a recuperação do país, assumindo o Ministério da Casa Civil, no dia 16 de março.
Partidos da oposição foram aos tribunais para impedir que a presidenta exercesse esta prerrogativa.
Criaram mais incerteza e instabilidade no horizonte.
Fizeram isso porque não se importam com o país, apenas com seu projeto de poder.
Companheiros e companheiras,
A sociedade brasileira está reagindo com vigor ao golpe do impeachment.
Não são apenas os militantes do PT e nossos aliados.
É a consciência democrática que se manifesta nas ruas e nas redes sociais, num amplo movimento de repúdio à quebra da ordem democrática.
É um movimento crescente de indignação, que abarca inclusive os que não votaram em Dilma e os que têm críticas ao governo, mas não aceitam o ódio, a intolerância e nem as mentiras do golpismo.
Não aceitam mais as mentiras e a cobertura parcial, facciosa e partidarizada dos grandes meios de comunicação.
Não aceitam a manipulação de procedimentos judiciais, que visam criminalizar o PT e acobertar os chefes da oposição.
O Brasil é maior do que a mentira e a manipulação.
Companheiras e companheiros,
O combate à corrupção e à impunidade é essencial ao processo democrático.
E a sociedade brasileira sabe que nenhum outro governo fez mais do que o nosso para combater esses males em nosso País.
Foram os governos do PT que tomaram a iniciativa de propor, no Congresso, as leis de combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, ao tráfico de influência, à corrupção empresarial.
Foram os governos do PT que reconheceram, na prática, a autonomia do Ministério Público e fortaleceram a Polícia Federal, livrando estas instituições do mandonismo político.
E fomos nós que criamos um sistema de Transparência que informa, em tempo real, absolutamente todos os pagamentos do governo federal a pessoas e empresas. Um sistema de Transparência considerado o melhor do mundo.
O povo brasileiro sabe que, sem o PT, não teria sido possível levar os ricos e poderosos ao banco dos réus, como jamais aconteceu no país.
E os golpistas querem voltar ao poder para controlar de novo a Polícia, intimidar o Ministério Público e a Justiça, como fizeram no passado.
Para restabelecer o reino da impunidade que sempre os preservou.
Mas não é isso o que quer a sociedade brasileira.
Companheiros e companheiras,
Em todo o mundo há vozes responsáveis alertando para os riscos de um golpe de Estado no Brasil.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, a secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcenas, presidentes e lideres políticos de toda a região já se manifestaram corajosamente.
Nos Estados Unidos, o candidato Bernie Sanders alertou que seu país não pode continuar incentivando golpes e desestabilização de governos populares na América Latina.
A opinião pública mundial percebeu a injustiça e a inconsistência das alegações contra Dilma Rousseff.
Percebeu que o processo de impeachment é comandado por políticos corruptos, aliados a uma oposição que não se conforma com o resultado das urnas.
As ameaças à democracia no Brasil e na América Latina dizem respeito a toda a comunidade mundial.
Dizem respeito à luta entre civilização e barbárie.
A sociedade brasileira saberá reagir ao esbulho da Constituição e ao golpe contra a democracia, como sempre fez ao longo da historia.
Somos calejados nessa luta.
Minha geração viveu durante 21 anos debaixo de uma ditadura militar.
Foram duas décadas debaixo do terror de estado e da censura, num regime de exceção dirigido contra os trabalhadores, os patriotas e os democratas.
Soubemos resistir e organizar um novo sindicalismo, combativo e independente; soubemos organizar movimentos sociais no campo e nas cidades; articular campanhas de massa pela anistia e pelo retorno ao estado de direito.
Em 1984, ficamos frustrados quando o Congresso rejeitou a emenda das eleições diretas, contrariando o maior movimento de massas de nossa a história.
Mas não desistimos da luta e conseguimos aprovar, em 1988, uma Constituição democrática, que garantiu e ampliou direitos sociais, coletivos e individuais.
Esta Constituição abriu o caminho para as grandes conquistas da sociedade, especialmente nos últimos 13 anos de governo do PT.
É esta Constituição que está sendo rasgada pelos golpistas de hoje, alguns dos quais ostentam hipocritamente o título de constitucionalistas.
Companheiras e companheiros,
Desde o fim da ditadura, o Brasil teve seis presidentes civis em oito mandatos. Todos os presidentes – inclusive eu – enfrentamos, em graus diferentes, crises econômicas e momentos de desaprovação popular.
Mas o que ocorre agora é uma farsa, que envergonha o Brasil aos olhos do mundo.
A presidenta Dilma não cometeu crime de responsabilidade. Não cometeu crime algum.
Mas seu direito de defesa foi reduzido a mera formalidade.
Por mais sólidos e consistentes, os argumentos dos seus advogados não foram levados em conta pela aliança golpista no Congresso.
Não foram levados em conta pela imprensa, que tenta manipular a opinião pública.
A sentença estava decretada desde o início do processo.
E o mundo assistiu ao deprimente espetáculo na sessão da Câmara dos Deputados que votou a abertura do impeachment.
Corruptos notórios clamando contra a corrupção. Oportunistas exercitando o cinismo e a hipocrisia, e alguns até defendendo a tortura e a ditadura.
Ali não houve a mínima análise de argumentos e provas. Houve um pelotão de fuzilamento, comandado pelo que há de mais repugnante no universo da política.
Companheiros e companheiras,
O que acontece hoje no Brasil, é muito grave e ameaçador para os que acreditam na paz, na democracia e no diálogo entre os povos.
Os governos progressistas da América Latina sofrem ataques sistemáticos da plutocracia e da imprensa conservadora dentro e fora de nossos países.
Governos progressistas são acossados por novas formas de golpe, disfarçadas de intervenções legislativas ou judiciárias, acobertadas por operações de propaganda opressiva nos grandes meios de comunicação.
E sempre com a cumplicidade de poderosos interesses econômicos, que pretendem retomar aespoliação das riquezas naturais e o controle do imenso mercado de consumo da América Latina.
É hora de perguntar se vamos permitir um retorno ao passado, ao tempos da Guerra Fria, em que o mundo se dividia entre dominados e dominadores.
Se vamos restaurar a velha ordem das ditaduras e de regimes servis a determiados interesses econômicos.
Se vamos ativar novamente a bomba-relógio da fome, da espoliação e da injustiça.
Estas são as questões que se colocam para a comunidade mundial neste momento.
Por isso, peço a todos que levem a seus países a mensagem de que a sociedade brasileira vai resistir ao golpe do impeachment.
A sociedade brasileira não reconhecerá um governo que não venha da única fonte legítima: o voto popular.
A superação dessa crise passa necessariamente pela manutenção do processo democrático.
Só assim poderemos retomar o caminho do desenvolvimento com inclusão social; da busca permanente pela justiça e pela igualdade.
Em benefício do Brasil, da América Latina e de toda a comunidade mundial.
Muito obrigado.