Corpo de Pablo Neruda volta a Isla Negra

Três anos depois da exumação com que se pretendia esclarecer se havia sido assassinado alguns dias após a implantação da ditadura de Augusto Pinochet, os restos do grande poeta chileno Pablo Neruda, Prêmio Nobel de Literatura 1971, foram sepultados nesta terça-feira (26) frente ao oceano que banha o jardim de sua casa da Isla Negra, na costa central do Chile.

Por Max Altman

Túmulo de Neruda - Divulgação

O corpo do autor de “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada” foi recebido na primeira hora da manhã por cerca de trinta de seus familiares, que lhe deram de novo as boas-vindas a sua célebre residência.

O féretro, coberto com uma bandeira chilena e um ramalhete de rosas brancas, desfilou diante da viga de madeira que um dia o poeta talhou com uma mensagem premonitória de boas-vindas: “Regressei de minhas viagens. Naveguei construindo a alegria”.

Os primeiros raios de luz se esparramaram, nesta gélida terça-feira outonal, sobre o ataúde de madeira, que foi enterrado na parte baixa do jardim da casa, um terraço inclinado com ampla vista do Pacífico, e onde também está enterrada sua terceira mulher, Matilde Urrutia.

“Para nós, isto não é um funeral. Voltar para cá, à Isla Negra, frente ao mar, não é morrer e sim tornar a viver”, disse o presidente da Fundação Neruda, Raúl Bulnes.

Ao meio-dia, agora diante de centenas de espectadores, uma orquestra juvenil rendeu homenagem ao autor de alguns dos versos de amor mais conhecidos em todo o mundo.

“Agora Neruda está conosco, volta a mirar as ondas do mar e a abraçar a sua querida Matilde”, disse o escritor Fernando Quilodrán durante seu discurso.

O primeiro enterro do poeta em Santiago, num 25 de setembro de 1973 cinzento, se converteu num dos primeiros atos políticos contra a ditadura.

Nesta terça-feira, sob um sol radiante, um céu livre de nuvens e em plena democracia, o espírito combativo do vate Neruda continuava presente entre as dezenas de militantes do Partido Comunista que dele se despediram aos clamores de “Companheiro Pablo Neruda. Presente! Agora e sempre!”.

O estrondo do mar ao se chocar contra as fendas do rochedo e o esvoaçar de algumas gaivotas ao longo das margens emolduravam a cerimônia que se encerrou com a interpretação de Gracias a la vida da inesquecível compositora chilena Violeta Parra.

O Oceano Pacífico, tão presente em seus versos, o recebeu justo quando se está a ponto de finalizar as investigações que buscavam esclarecer as circunstâncias de sua morte.

Laboratórios do Canadá e da Dinamarca analisam o DNA da bactéria “estafilococo dourado”, encontrado nos ossos de Neruda, a fim de determinar se estava no corpo do poeta antes de seu ingresso no hospital.