Agenda do golpe: a economia política por despossessão

O golpe parlamentar, em suma, constitui uma restauração e reconstituição do poder de classe dos que habitam o andar de cima e uma condição necessária para o exercício da acumulação por despossessão do andar de baixo.

Por Alcides Goularti Filho* e Juliano Giassi Goularti**, no Brasil Debate

Eduardo Cunha e Temer - Foto: Antônio Cruz/ABr

Em entrevista ao Diálogo Petroleiro, o professor Wilson Cano comentou que estamos “Vivendo num mar revolto do neoliberalismo com guerra ao Estado nacional”. Crítico à “importação do neoliberalismo” por nossas elites, cujo seus efeitos mais perversos são juros elevados, corte de gastos públicos, desnacionalização suicida, vulnerabilidade externa, aumento das desigualdades sociais, baixo dinamismo econômico e deterioração das relações de trabalho, segundo o professor a construção para uma agenda nacional para o desenvolvimento passa pelo “manejo mais soberano de nossa política econômica”.

No entanto, o momento atual de incerteza na economia internacional, instabilidade política dado pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, crise econômica, paranoia do fantasma vermelho e a corrupção envolvendo empresas públicas têm fragilizado a soberania que nos resta e reforçado a agenda do golpe parlamentar de Estado consumado no último dia 17. Não por menos, os resultados imediatos serão sentidos pela classe trabalhadora por meio da “economia política de despossessão” (1).

Nas condições adversas do “mar revolto” e do fetiche do golpe parlamentar de Estado realizado em nome de “deus e da família”, dificilmente o desenvolvimento econômico e social se fará sem a construção de um novo pacto nacional.

A atitude de parlamentares golpistas ao autorizar a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff sem que ela sequer tenha cometido qualquer ato corruptivo ou improbidade administrativa – ao contrário de Michel Temer, Aécio Neves, Agripino Maia, Romero Jucá, Antonio Anastasia, Eduardo Cunha e tantos outros oposicionistas citados na Operação Lava-Jato –, o documento proposto pelo PMDB “Uma ponte para o futuro” que prevê a desvinculação dos recursos do sistema de financiamento da saúde e da educação, desindexação do salário mínimo e privatização para reduzir o tamanho do Estado e as propostas da “Agenda Brasil” que podem ser votados pelo Senado Federal em 2016 – independência do Banco Central, reforma da previdência, estatuto das empresas estatais, flexibilização das relações de trabalho entre outros que retiram direitos constitucionais – atendem único e exclusivamente os princípios da economia por despossessão.

Neste particular, o próximo passo da despossessão é provocar um esvaziamento vertical do Estado nacional e uma desorganização das políticas sociais preexistentes. Se esse é o objetivo que as classes dominantes que apoiaram o golpe em 17 de abril propõem alcançar, não se trata de uma simples reprodução do subdesenvolvimento por despossessão, mas sim de sua agravação por meio da reprodução expandida.

Para tanto, as relações entre classe golpista e despossessão dos direitos de terra, da previdência social, do sistema único de saúde, do acesso ao ensino universitário etc., que constituem um dos pontos centrais de nosso atraso econômico e heterogeneidade social, compõem um sistema de dominação de classe.

Em suma, o golpe parlamentar constitui uma restauração e reconstituição do poder de classe dos que habitam o andar de cima e uma condição necessária para o exercício da acumulação por despossessão do andar de baixo.

Dentro dos últimos 12 anos que englobam os governos Lula e Dilma I, houve uma melhora significativa nas condições de vida do povo brasileiro. A política de valorização do salário mínimo, os programas de transferência de renda, o acesso ao crédito popular e o conjunto das políticas sociais do governo constituíram os anseios de certa fração de classe.

De uma maneira geral, o Estado desbloqueou muito das privações da coletividade, e foi, sobretudo, a ascensão social materializada pela subida na renda de mais de 20 milhões de brasileiros que atravessaram a divisa da miserabilidade e da pobreza e a estabilização dos rendimentos da alta classe média e média classe média que tem provocado o ódio de classe e a agenda por despossessão. Porém é chegada à hora da vingança do capital, a despossessão da classe trabalhadora.

Nesse script entram em cena os interesses da grande empresa estrangeira, ou seja, aproveitando a brecha da pauta moralista advinda das classes média e alta, o capital estrangeiro e a burguesia associada com amplo apoio mediático pautaram o golpe na democracia. Não por menos, como uma flecha lançada, o fetiche do golpe empurrará o país para a recessão, na qual quem pagará o pato amarelo plagiado pela FIESP do artista plástico holandês Florentijn Hofman serão os 76% da População Economicamente Ativa (PEA) que ganham até dois salários mínimos.

O golpe parlamentar de Estado, a “Agenda Brasil” e o documento “Uma ponte para o futuro” sugerido por Renan Calheiros e Michel Temer, ambos do PMDB, com apoio do empresariado golpista que foi o maior beneficiado pela expansão fiscal do primeiro governo Dilma Rousseff, especialmente pela via das desonerações tributárias (2), significam o aprofundamento do projeto liberal dos anos noventa.

Em convergência com os investidores internacionais, o certo é que a classe dominante deste país está a “chutar a escada” da ascensão social dos trabalhadores pela qual a política de valorização do salário mínimo significou uma elevação dos custos de reprodução da classe trabalhadora que passou a reter uma parte maior do excedente.

Também se pode dizer que estão tentando impedir – através da proposta do Estatuto das Empresas Estatais – que o Estado brasileiro adote políticas que fortaleçam as instituições no processo de desenvolvimento econômico e social. É preciso despossessão das conquistas sociais da última década para reprodução expandida da acumulação privada.

Fetichizados pelo poder da hipnose da grande mídia, sem que parcela significativa da classe trabalhadora decifrasse o sentido desse hieróglifo, a corrupção foi colocada como o pano de fundo enquanto que o salto mortal do golpe era a despossessão.

A relação social que está na raiz do golpe é a relação da luta de classe entre capital e trabalho. Para tanto, nada é mais óbvio do que o “dízimo a ser pago ao padre é mais claro do que a bênção do padre” (3), que o golpe parlamentar de Estado, a economia política por despossessão e a aliança da classe dominante tupiniquim associada com os interesses farôneos trata de “chutar a escada” das políticas social-desenvolvimentistas dos governos Lula e Dilma I.

Notas

(1) David Harvey (2013). Os limites do capital.

(2)Juliano Giassi Goularti (2016). Desonerações tributárias: uma aposta duvidosa – Revista Le Mond Diplomatique Brasil, edição de abril.

(3)Karl Marx (2013). O capital, livro I.