O homem que matou o facínora à traição

Eduardo Cunha não é tolo, sabia o que aconteceria consigo a partir do momento em que o impeachment da presidente Dilma se tornasse um fato palpável. Por que seguiu em frente?

Por Sérgio Saraiva

Eduardo Cunha STF

Muito do jogo bruto que esta sendo jogado no golpe que estamos assistindo ser levado a cabo no Brasil ficará para ser revelado um dia.

Que Eduardo Cunha foi mantido no posto de presidente da Câmara dos Deputados porque isso interessava aos que defendiam o impeachment é coisa de conhecimento público.

Que foi removido agora porque, obtida a aprovação da admissibilidade do impeachment, sua presença fede é coisa para quem tem nariz.

Que isso iria acontecer era pedra cantada desde que Cunha assumiu a presidência em fevereiro de 2015. Cunha não é um ingênuo, sabia que o impeachment era moeda de troca para negociar, mas jamais entregar. Enquanto o tivesse, manteria governo e oposição ao seu lado.

Durante todo o ano passado soube fazer o que melhor sabe fazer, chantagem. Levou o que queria. Por que entregou o impeachment?

Não, a questão não é por que aceitou o pedido de impeachment. Isso é claro. Aceitou porque o PT apoiou sua denúncia na comissão de ética. Cunha teria de retaliar. Em 02 de dezembro de 2015 aceitou o pedido que vinha cozinhando como se cozinha um galo, por longo tempo e com pressão.

Cunha jamais temeu a comissão de ética, fez dela o que quis e ela fez o que ele quis que ela fizesse.

Aceitar o pedido de impeachment foi apenas aumentar o preço a ser cobrado dos dois lados interessados. Mas, bastaria manobrar como sempre fez e retardar a instalação da comissão que analisaria o pedido. Enquanto não a instalasse nada aconteceria e ele continuaria “valorizado”.

Cunha sabia que entregar o impeachment era entregar a si mesmo.

Não à toa, a legislatura de 2016 se instala em fevereiro e até meados de março Cunha não parece interessado em dar prosseguimento ao processo. Dizia-se que o impeachment havia esfriado.
Por que de repente tudo muda?

Em 17 de março, reparar na data, a Comissão é instalada e em 30 dias todo o rito determinado pelo STF é cumprido a toque de caixa com tal denodo por Cunha que acaba por torná-lo seu campeão. O impeachment não sairia sem Cunha – festejavam os que pleiteavam sua anistia.

17 de março de 2016, Cunha colocou sua cabeça na guilhotina.

Cunha cuidou pessoalmente de cada detalhe que garantisse a aprovação do impeachment no menor tempo possível. Poderia ter feito o contrário e prolongado da mesma forma como retarda a apreciação de seu caso pelo comitê de ética. Teria para tanto a ajuda da bancada do governo e seus recursos. Sempre poderia dizer que cuidava da preservação do amplo direto de defesa.

Por que não o fez?

Entregando o impeachment nada mais teria a protegê-lo.

Cunha não é um ingênuo, sabia que o impeachment era moeda de troca para negociar, mas jamais entregar. Enquanto o tivesse, manteria governo e oposição ao seu lado.

Muito do jogo bruto que esta sendo jogado no golpe que estamos assistindo ser levado a cabo no Brasil ficará para ser revelado um dia.

Mas não que não exista pelo menos uma pista a ser analisada.

No dia 15 de março de 2015, reparar da data, dois dias antes da instalação da comissão do
impeachment na Câmara, uma notícia chamou-me a atenção, mas passou aparentemente despercebida pelos analistas de seus potenciais efeitos:“STF manda para Moro processos contra mulher e filha de Cunha na Lava Jato”.

Atendendo a um pedido de Rodrigo Janot, o ministro Teori Zavascki desmembrou um caso clássico de crime conexo e mandou para o juiz Sergio Moro a esposa e a filha de Cunha. No chamado “julgamento do mensalão”, crime conexo foi o argumento utilizado pelo ministro Joaquim Barbosa para julgar réus comuns na ultíssima instância. Talvez, então, a tese não se aplicasse.

Que a Vara de Curitiba presidida por Moro não segue o código de processo penal, tal qual um tribunal de exceção, é ocioso relembrar. Prisioneiros cumprindo pela de prisão preventiva debaixo das barbas do Estado Democrático de Direito. Pobres donzelas, belas recatadas e do lar.

Mas Moro pareceu se esquecer do caso das duas mulheres de Cunha. Enquanto isso, ao contrário, Cunha passa a ser especialmente ativo em busca de cassar o mandato da mulher que o ocupa a presidência da República.

Agora os jornais noticiam que as duas serão denunciadas. Dois dias após de o relator do Senado apresentar um parecer favorável ao prosseguimento do impeachment e um dia após o ministro Teori Zavascki, tendo meditado por longos quatro meses, aceitar o pedido de afastamento de Cunha feito por Janot. Literalmente, Cunha foi cassado antes de Dilma, mas depois de Dilma. Coisas do Brasil.

Janot e Moro, Janot e Zavascki, Janot, Zavascki e Moro. Sempre os mesmos personagens dançando em passo marcado como no poema “Quadrilha”. Tudo no seu tempo certo.

E como no poema há quem não ame ninguém.

E talvez quem quebre acordos e corações. Quem sabe?

Nenhuma lágrima derramada por Eduardo Cunha, o demônio ri dos seus serviçais.

Mas não há como não se especular que muito do jogo bruto que esta sendo jogado no golpe que estamos assistindo ser levado a cabo no Brasil ficará para ser revelado um dia.
 
PS:. Cunha ainda é a maior bancada e principalmente o maior arquivo do Congresso Nacional. Vai ser interessante ver como seus “aliados” rebolarão para defendê-lo e mais ainda como rebolarão para não defendê-lo.