Ex-gestor do MinC, João Brant diz que ministro tem visão clientelista

Os ex-gestores do Ministério da Cultura, João Brant e Alfredo Manevy, e a atriz Débora Duboc enumeraram qualidades e defeitos da condução da política cultural brasileira de 2003 a 2015. Brant criticou o discurso do atual ministro da cultura. “Esse discurso de que o partido é a cultura traz embutida uma lógica clientelista e de balcão que pensávamos que estava superada”. 

João Brant, Minc - Felipe Bianchi

Os três participaram nesta segunda-feira (6), em São Paulo, do debate “Os desafios da cultura brasileira”, promovido pelo centro de estudos da mídia alternativa Barão de Itararé e Faculdade de Sociologia e Política (FESPSP)

“O que disse o ministro (o interino Marcelo Calero) é o contrário do que nós defendemos. Defendemos a cultura como um projeto de governo, dentro de um projeto de um país.  A visão deles é  me dá o meu dinheiro pra eu resolver as coisas e não pensa dentro de um projeto estratégico de país”, completou Brant, secretário-executivo do MinC afastado.
Rouanet
Brant falou também sobre a polêmica envolvendo a Lei Rouanet, que foi usada pelos apoiadores do golpe para desqualificar artistas que se posicionaram contra o impeachment. 
 
“Não vai ser apoiando CPI da rouanet ou permitindo a criminalização dos artistas que vamos avançar em resolver as distorções desta legislação”, ressaltou João.
A principal crítica à lei Rouanet é que o governo abre mão do recolhimento de impostos se as empresas investirem em projetos de cultura, o que deixa a decisão dos investimentos nas mãos dos departamentos de marketing das grandes empresas. 
Esse mecanismo gera uma concentração de recursos em algumas modalidades e também em determinadas regiões como a sudeste.
Segundo Brant, antes do impeachment ser aprovado na Câmara, a equipe do ministro da Cultura Juca Ferreira estava progredindo nas negociações na Casa para aprovar um substitutivo. Nesse texto, a lei instituiria a criação de um Fundo, além de manter os incentivos.
A centralidade da cultura
A atriz Débora Duboc, que participou ativamente das iniciativas que resultaram na criação da SPCine, empresa de fomento ao audiovisual em São Paulo, lembrou que a importância da cultura ainda não recebeu o devido reconhecimento, nem mesmo dos governos progressistas. 
 
“Mesmo os governos progressistas não enxergaram na arte esse instrumento de transformação”, afirmou. Para Débora, o Ministério da Cultura deveria incluir também a palavra arte. 
“A arte é o que te carrega para esse lugar que te leva a expressar e a produzir pensamento”, disse a atriz, que leu a letra da música “Comida”, do grupo Titãs, que afirma em um trecho: “A gente não quer só comida. A gente quer bebida, diversão e arte”.
Subjetividade
Alfredo Manevy, diretor-presidente da SpCine, concordou com Débora e acrescentou que, apesar dos avanços nas políticas de distribuição de renda, que “garantiram carro, grana no bolso”, falou que faltou uma “revolução da subjetividade”.
“O salto ainda pode ser dado no Brasil. É preciso uma revolução não só de ganho material mas de subjetividade e valores, de ética, que é o que combate o fascismo”, declarou Manevy. “A volta pra rua é decisiva pra retomar o ciclo e avançar”, defendeu ele.
Manevy observou que a cultura trouxe a primeira crise no governo de Temer, quando ele anunciou a extinção do Minc.  Débora destacou o papel dos artistas na denúncia e na resistência ao golpe.

Ela também lembrou que é preciso esclarecer o povo sobre os empregos que são gerados pela cultura. “Cultura e arte empregam mais que a indústria automobilística”. 

“É lógico que querem quebrar as pernas da cultura e da arte. Nós somos a mosca na sopa do Temer e seus comparsas. E também cabe a gente tomar medidas para esclarecer o povo”, enfatizou a atriz.
Brant afirmou que, apesar de os governos progressistas não terem conseguido dar a centralidade estratégica que a cultura deve ter haviam avanços na compreensão do papel da cultura dentro do governo.
“O que muitos podem chamar de bolivariano para nós é a simples oferta de condições para o desenvolvimento humanos pleno”, explicou. Ele lembrou ainda que Temer voltar atrás no fim do Minc não significa que mudou de ideia. “Mas, sim, porque politicamente era insustentável”.

"Todo cidadão brasileiro deve ter direito a consumir, produzir e disseminar cultura. Ao fechar o Ministério da Cultura, o novo governo deixa claro o que a Cultura não faz parte do projeto de alimentação do setor financeiro", enfatizou Brant.

Ocupa Funarte SP

O ator Alessandro Azevedo fez um relato ao final sobre a ocupação dos artistas na sede do Minc em São Paulo. Ele é um dos artistas presentes na ocupação que completou 21 dias. Pelo Brasil, somam 21 estados com prédios do MinC ocupados.
“Pela primeira vez a cultura está mobilizada em torno de uma pauta única: Fora Temer, é golpe, não negociamos com golpistas. Acredito que ficaremos lá até a queda do Temer”, contou.
 
Segundo Alessandro, os artistas e coletivos estão trocando experiências com militantes de outros movimentos, como os secundaristas, e vão participar da agenda de manifestações com os demais segmentos do movimento social.
 
O movimento ocupa Minc SP está precisando de doação de alimentos. Para saber mais sobre a ocupação acesse Ocupa Funarte SP.