Especial São João: O Ciclo Junino

O ciclo junino chega com a participação do povo. Ricos e pobres festejam o ciclo junino que envolve danças, comidas típicas, superstições, adivinhações, crendices, fé e muita animação.

Por Rúbia Lóssio*

São João - Divulgação

Para o ciclo junino são consagrados três santos do mundo católico durante o mês de junho. São eles: Santo Antônio, São João e São Pedro, que alegram as festas juninas. O mais popular em Portugal e no Brasil é Santo Antônio. Santo português, nascido em Lisboa no ano de 1195, é o preferido pelas mulheres como Santo casamenteiro. É também o Santo que sempre dá um jeitinho nas coisas e causas perdidas. Salienta Pereira da Costa:

[…] algumas mulheres chegam até mesmo a tirar o menino Jesus dos braços de Santo Antônio para restituí-lo somente depois de realizado o milagre; viram o Santo de cabeça para baixo, tiram-lhe o resplendor e colocam sobre a tonsura uma moeda pregada com cera; e por fim, quando tarda o milagre [de fazer aparecer o marido], e cansadas já de tanto esperar, atam o Santo com uma corda, e deitam-no dentro de um poço, o que deu lugar, uma vez, a desaparecer a imagem porque era de barro e derreteu-se completamente ao contato d'água.

 

Também temos vários folhetos que retratam histórias com Santo Antônio. É o caso do folheto A moça que pisou Santo Antônio no pilão para casar com o boiadeiro, de José Costa Leite, que conta os sofrimentos do Santo nas mãos das vitalinas. Também, muitas adivinhações são feitas na véspera do dia 13 de junho, data comemorativa de Santo Antônio. No dia 12 junho, dia dos namorados, as moças utilizam as mais variadas adivinhações do nosso folclore para conseguir um marido (SOUTO MAIOR, 1977).

São João e São Pedro também são venerados no ciclo junino. São João é o primo de Jesus Cristo, nascido no dia 24 de junho, pregador da alta moral, áspero, intolerante e ascético. Segundo Câmara Cascudo

O São João é festejado com alegrias transbordantes de um deus amável e dionisíaco com farta alimentação, músicas, danças, bebidas e uma marcada tendência sexual nas comemorações populares, adivinhações para casamento, banhos coletivos pela madrugada, prognósticos do futuro, anúncio de morte do curso do ano próximo… Segundo a tradição o Santo adormece durante o dia que lhe é dedicado tão ruidosamente pelo povo, através dos séculos e países. Se ele estiver acordado, vendo o clarão das fogueiras acesas em sua honra, não resistirá ao desejo de descer do céu para acompanhar a oblação e o mundo acabará pegando fogo.

Assim temos o hábito de acender fogueiras durante o ciclo junino, hábito vindo da Europa, quando as populações do campo festejavam a proximidade das colheitas e faziam sacrifícios para afastar os demônios da esterilidade, pestes de cereais, estiagens. Nos cultos agrícolas também acendiam-se fogueiras que foram divulgados pelo domínio do folclore e da etnografia européia.

Essa devoção ao culto de São João vinda de Portugal se espalhou pelo Brasil inteiro. Muitas adivinhações também são feitas na véspera de São João.

São Pedro também tem o seu espaço no ciclo junino. Discípulo, Santo chaveiro, primeiro papa, é festejado no dia 29 de junho juntamente com São Paulo. Padroeiro dos pescadores o Santo é festejado com uma procissão marítima.

E nesses festejos, ao som dos fogos e da fumaça das fogueiras, não podem faltar as comidas típicas que tornam as festas mais saborosas. Milho cozido, milho assado, canjica, pamonha, bolo de milho, ah! Que cheiro bom. Quem nunca mexeu uma canjica com colher de pau não sabe o verdadeiro gosto que tem a festa de São João. E o pé-de-moleque, a cocada, pipoca, beiju, bem-casado, bolo de macaxeira, manuê de milho, fazem o sabor natural da festa junina.
Nos arraiais acontecem as quadrilhas, de origem européia, dançadas nos salões dos palácios por volta do século 18, nos bailes da corte. Aquadrilha acompanha a zabumba, o triângulo e o sanfoneiro que dá o ar de sua graça no xén én én do forró. Eitá!! Que tá bom demais! Há também no início da quadrilha, o casamento matuto que consiste numa representação jocosa, onde as pessoas utilizam um linguajar característico do povo da roça e com um ar de malícia fazem o público se divertir com o espetáculo teatral. É presente também a língua francesa na marcação dos passos da quadrilha. O xote,o baião, o xaxado, coco e a polca, fazem os ritmos dos festejos juninos. Contamos também com a presença dos bacamarteiros nos festejos juninos, que segundo Olímpio Bonald Neto:

[…] seria a representação simbólica do cangaceiro, a figuração sublimada do guerrilheiro das caatingas, com todo seu conteúdo místico e aventureiro que se expande a se reafirmar pacificamente, gastando as tendências agressivas de modo inofensivo, aplicando de forma artística os excessos aguerridos na figura folclórica do atirador espetaculoso.

Os bacamarteiros enfeitamas festas juninas exibindo os seus bacamartes que contém cargas com pólvora seca, emitindo um estrondo em homenagens aos Santos padroeiros ou cerimônias cívicas e políticas.

Existe também o acorda povo, que é uma procissão realizada na noite de São João, para acordar São João. Por isso quando alguém dorme muito, o dito popular acusa: "dormiu igual a São João".

Porém, as quadrilhas vêm se transformando. Clóvis Cavalcanti em seu artigo, São João "estilizado", revela sua preocupação:

Vê-se nessa transformação, por um lado, uma perda lamentável de identidade, um abandono de nossas ricas raízes folclóricas e, por outro, uma massificação sem sentido que nivela e igualiza modos de comemorar o São João que tinham sabor específico em cada forma local dos festejos. No meu entender por trás de tudo isso residiria um empobrecimento cultural assustador de nossa sociedade.
Desse modo, até a capital do forró, que é Caruaru, está sendo chamada de "Disneylândia do forró". A nossa festa tradicional virou uma festa massiva, um comércio de artigos da nossa região. Tem até kits para participar das quadrilhas que estão sendo chamadas de "drilhas" como: machadrilhas, gaydrilhas, babydrilhas, entre outras. Utilizam uma indumentária com brilhos de muitos enfeites e babados que não se adaptam ao nosso clima. Néstor Garcia Canclini diz que "o kitsch é a resposta de como ser elegante na época de cultura de massas".

Recentemente, as associações dos compositores cantadores e músicos de Caruaru, protestaram porque não estão tendo espaço para tocar na festa de São João, onde os forrós eletrônicos vem ganhando cada vez mais espaço. Nossas raízes folclóricas estão se moldando na cultura de massas. Antes, a diferença era que trazia e fazia o brilho das quadrilhas com a criatividade e originalidade dos integrantes que participavam da mesma. Hoje, o ciclo junino, mesmo perdendo esse "sabor específico" e ganhando o "cheiro da tecnologia" não deixará de ser evidenciado, mas não podemos descaracterizar o que é nosso. É uma pena que estejam transformado a simplicidade dos festejos juninos em um grande festival. Sou a favor do forró pé de serra no chão batido, da fogueira no quintal, do cheiro da canjica ainda no fogo, da fumaça que chega a arder nos olhos, do chapéu de palha, da saia de chita , das músicas de Luiz Gonzaga ao som da sanfona, da zabumba e do triângulo, das bandeirinhas que enfeitam os arraiais, do chinelo de couro e da chuva que ajuda a encher os salões para todo mundo dançar o forró. Essa lembrança do interior, que vem com o ciclo junino desperta um sentimento de "originalidade" nos nordestinos. Esse sentimento só é permitido porque é tempo de São João!

Referências

BONALD NETO, Olímpio. Bacamarteiros. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Inpso, 1976. (Folclore, 8).

CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1954. 930 p.

CAVALCANTI, Clóvis. São João "estilizado". Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Inpso, 1999. (Folclore, 262).

CISNEIROS, Laurinha. Pratos típicos juninos. [Folheto, s.n.t.].

COSTA, Francisco Augusto Pereira da. Folclore pernambucano. Recife: Arquivo Público Estadual, 1974.

SILVA, Leny de Amorim. Acorda povo São João chegou! Recife: Editora do Autor, Avellar Gráfica, 1993. 134 p.

SOUTO MAIOR, Mário. Ciclo junino. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Inpso, 1977. (Folclore, 34).