Olívia Rangel: Valeu, Luiza!
A ex-modelo Luiza Brunet denunciou na imprensa uma série de agressões de seu companheiro há cinco anos, o empresário Lírio Albino Parisotto, no apartamento dele, no Plaza Residence, em Nova York. No dia seguinte, escondida, ela pegou um vôo direto para o Brasil. A queixa foi representada no Ministério Público de São Paulo com o laudo de corpo de delito do IML feito por ela.
Por Olívia Rangel*
Publicado 01/07/2016 19:18
A agressão de Lírio, segundo Luiza, começou no restaurante onde eles estavam jantando com amigos. Ao ser perguntado se o casal iria a uma exposição de fotos, Lírio se exaltou. Disse que não iria porque da última vez ele foi confundido com o ex-marido de Luiza, Armando.
Ao chegarem em casa, violência começou com ofensas verbais e xingamentos e evoluiu para um soco no olho, seguido de chutes. O espancamento deixou-a com ficou com quatro costelas quebradas.
O tema da violência doméstica tende a provocar fortes reações. A mais comum é a negação ou o deslocamento do problema para as camadas mais pobres da população. Negar a violência doméstica significa preservar a falsa imagem da família como um ninho de amor. Situá-la em segmentos de baixa renda equivale a isentar deste mal os residentes em domicílios de classes média e alta.
Isso não quer dizer que a violência não seja praticada. Significa apenas que ela não é denunciada ou que é pouco denunciada. A denuncia de Luiza evidencia que a violência doméstica também faz parte da vida dos mais privilegiados econômica e culturalmente. Mas violência entre os ricos, quase não sai nos jornais nem chega às delegacias.
Afinal, trata-se de preservar seu patrimônio e seu status. A fissura na imagem de coesão pode levar a fissuras no controle dos dominados. Daí a necessidade de "vender" uma imagem de alegria, unidade e tranqüilidade. Além disso, os ricos têm acesso a outras formas de resolver seus conflitos como pagar os advogados mais caros, contratar os melhores psicólogos, silenciar juízes. Fica tudo "en famille". Os menos afortunados não têm tanto a perder com o escândalo.
Apesar do medo e do constrangimento, sobretudo por parte das mulheres, não têm um patrimônio a defender nem um status social a preservar. Quando procuram a delegacia ou quando aceitam falar de suas mazelas estão buscando alívio para seus problemas.
A violência contra a mulher é uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens, que causaram a dominação da mulher pelo homem, a discriminação contra a mulher e a interposição de obstáculos contra seu pleno desenvolvimento. Trata-se de um dos dispositivos sociais estratégicos de manutenção da subordinação da mulher em relação ao homem.
Acobertada pela cumplicidade da sociedade e pela impunidade, a violência contra a mulher ainda é um fenômeno pouco visível. Os casos que chegam às delegacias são apenas a ponta do iceberg. Isso não é de surpreender, já que, além de vencer o medo e a barreira social da tolerância e do silêncio, a mulher que denuncia uma agressão ainda tem que enfrentar a parafernália jurídica brasileira, reconhecidamente machista.
O que vai a julgamento não é a coação física, o atentado a um direito básico do cidadão e sim o ajustamento da mulher e das famílias a uma moral sexual e a uma concepção dos bons costumes baseados em padrões estereotipados de comportamento. Se a avaliação da vítima mulher não condiz com as normas, a moral, os bons costumes, o veredito é de que a vítima é culpada. A vítima transforma-se em ré. Mesmo com as avanços coquistados, como a Lei Maria da Penha, é difícil tornar a problema público.
O silêncio é cúmplice da violência.A coragem de Luiza, ao ir à imprensa denunciar a agressão, contribuiu para trazer a público e questionar a questão em nossa sociedade. Ela dá voz às milhares de vítimas da violência contra a mulher em nossa sociedade. Valeu, Luiza!
* Olívia Rangel é jornalista