João Marcelo Intini: 40 dias de temeridades no Rural Brasileiro

Passados 40 dias do afastamento da presidenta Dilma em decorrência do processo de golpe institucional em curso, apresentamos uma breve análise das principais ações do governo interino para o meio rural, que, em nosso entendimento, já demonstra o retrocesso social, o desmonte de políticas públicas e a perda de direitos.

Por João Marcelo Intini *

Trabalhador Rural

O conjunto de medidas que contribui para os retrocessos nas políticas públicas destinadas ao desenvolvimento agrário e social no campo brasileiro são inúmeras. Inicia-se pela extinção do próprio MDA, como expressão de uma história de lutas e conquistas dos movimentos sociais do campo que resultaram nos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma, na construção de políticas públicas que modificaram positivamente e profundamente a qualidade de vida da população rural, em todas as regiões do país.

Segue-se a este movimento, a remoção de toda a estrutura do extinto MDA e do Incra para o Ministério do Desenvolvimento Social, que passa a incorporar em seu nome o “Agrário”, por meio da MP 726/2016.

Dada a divergência política entre as forças do governo interino e golpista, esta estrutura toda passa para as competências da Casa Civil da Presidência da República, por meio do Decreto 8.780/2016. Há rumores de que, se confirmado o golpe, retornar-se-á a estrutura ministerial.

Na esteira do desmonte das políticas públicas promovido pelo governo interino, percebe-se duas situações: a de paralisação ou de suspensão ou revogação das políticas. No primeiro caso, a paralisação está diretamente ligada a fatores como:

i. Desmonte inconsequente das equipes técnicas, levando a perda da memória institucional e o desmonte hierárquico, cuja possibilidade de comando e manutenção dos atos administrativos se apresenta comprometida. Toda a cadeia de comando e de gestão do MDA e do Incra foi exonerada, incluindo as representações nos estados. Nesta mesma situação, vem a demissão do presidente da Anater, ferindo a lei e interrompendo um processo, já complicado na sua origem, de montagem da Agência;

ii. Suspensão de pagamentos e de repasses orçamentários e financeiros, que foram garantidos no Plano Safra da Agricultura Familiar e nos acordos de cooperação firmados entre diferentes órgãos. Neste caso, é nítida a paralisia nos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural e nas aquisições de alimentos por parte da Conab, no âmbito do PAA;

No segundo caso, a suspensão ou revogação de políticas está associada a fatores como:

i. Revisão de normativos, que sem nenhum estudo qualitativo, prévio, de impactos e consequências, tem sido adotada pelo governo interino como uma praxe. O Minha Casa Minha Vida Rural, cancelado e, depois das pressões sociais, retomado, com diferenças cruciais para a continuidade das contratações e construções, retirando o tratamento diferenciado aos povos e comunidades tradicionais e para a reforma agrária. A política de reforma agrária, que já vinha combalida, torna-se ainda mais inoperante, fruto das composições políticas em curso no comando do Incra.

ii. Mudança de orientação estratégica, motivada por interesses personalistas, como a suspensão da Chamada Pública de ATER, que paralisa o processo de contratação de serviços especializados para as entidades da agricultura familiar que participam dos mercados públicos e privados, como associações e cooperativas.

O que se percebe é uma guinada às concepções conservadoras, nas políticas e estratégias que sustentavam as políticas públicas para o meio rural.

A mudança estrutural no extinto MDA, com a supressão de áreas específicas para as políticas inclusivas com foco geracional, étnico, de gênero e de raça e a provável diminuição do status das Secretarias Nacionais para Departamentos, expressam o caráter minimizante que se quer estabelecer para esta pauta no seio do governo interino.

O fim do MDA representou um grande retrocesso ao campo brasileiro. O MDA representava muito mais que um símbolo, que uma estrutura governamental. Era a expressão contundente da importância da agricultura familiar e da reforma agrária, do desenvolvimento agrário, dos povos e comunidades tradicionais, das diferentes realidades do meio rural e acima de tudo, uma arquitetura de políticas públicas focadas nestes públicos. Neste momento, as políticas estão paralisadas e as equipes que construíram este grande legado, estão sendo desfeitas inconsequentemente.

Sobre o Incra, não obstante já ter sido aventada a possibilidade deste órgão estar vinculado diretamente à Presidência da República, o contexto era absolutamente diferente.

À época, dado o recrudescimento dos conflitos fundiários e questões maiores que a própria reforma agrária, como a conflituosa demarcação das terras dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, aventava-se esta hipótese como um tema de segurança nacional, para a preservação de vidas e minimização dos conflitos sociais. No contexto atual, não só o Incra, mas todo o conjunto de instituições ligadas ao extinto MDA, estão na Presidência da República por conta de um desatino na política, nas disputas internas do governo interino e da pacificação da base parlamentar vinculados a partidos políticos que dão sustentação ao golpe.

Sintetizando os atos do governo interino, construímos uma tabela que mostra em uma linha do tempo, as principais medidas adotadas e que repercutem negativamente na execução das políticas públicas, gerando instabilidades e incertezas para a população rural.

Devemos estar atentos aos próximos passos. A nomeação de um general para a Funai, a perda de autonomia da Fundação Palmares na demarcação das áreas dos remanescentes de quilombos, a redução ou eliminação das políticas públicas para as mulheres, juventude, negros e indígenas, podem levar a perda de outros direitos e conquistas sociais.

*É engenheiro agrônomo e assessor técnico da liderança do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados. Já atuou como diretor do Departamento de Apoio à Produção Familiar e ao Acesso à Alimentação do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) e como diretor da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento)

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