Guadalupe Carniel: Os refugiados e as fronteiras

Nas aberturas das Olimpíadas a última delegação era a mais aguardada por muita gente: a dos refugiados. Sob a bandeira olímpica e com uma delegação tímida, já fizeram história. Eles representam uma realidade que nos esquecemos quando estamos vendo os jogos olímpicos: a da guerra, da morte, da luta pela sobrevivência.

Por Guadalupe Carniel*

Time Olímpico de Refugiados - Rio 2016.com

Há dois anos o COI solicitou à ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) que jovens que vivessem em acampamentos pudessem competir mostrando suas habilidades esportivas. A Agência consultou a ONU que em outubro do ano passado liberou a participação de uma delegação de refugiados, selecionando dez entre 43 candidatos.

O time é formado por cinco atletas do Sudão do Sul (as corredoras Anjelina Nadai Lohalith e Rose Nathike Lokonyen, e os corredores James Nyang Chiengjiek, Paulo Amotun Lokoro e Yiech Pur Biel); pelos judocas Popole Misenga e Yolande Bukasa Mabika, do Congo; pelos nadadores Rami Anis e Yusra Mardini, da Síria; e o maratonista Yonas Kinde, da Etiópia.

Apesar de serem apenas dez atletas eles representam o esforço e a esperança de 21 milhões de refugiados (só no Brasil cerca de 9 mil desembarcaram em 2016) que perambulam pelo mundo em busca de uma vida melhor.

Além disso, foi proposta uma Trégua Olímpica, relembrando as antigas tradições gregas. Todos os países que integram a ONU deverão respeitá-la. Iniciou-se sete dias antes do início dos Jogos e se encerrarão sete dias após os Jogos Paraolímpicos.

A nadadora Yusra chegou a vencer sua etapa dos 100 metros borboleta, apesar do bom resultado não avançou. Há um ano, a refugiada síria saiu de Damasco rumo à Europa. O bote em que estava começou a afundar e ela e a irmã empurraram a nado a embarcação por três horas e meia até chegarem à ilha de Lesbos, na Grécia.

A ideia é que nos jogos de 2020, em Tóquio, tenhamos de novo uma delegação de refugiados.

Ok, eles estão sendo ovacionados tanto por aqui quanto pela Europa. Mas nem todos os refugiados são atletas e sofrem muito para conseguir sair de seus países em caminhões, a nado, passam frio, fome e descriminação, são chamados de terroristas, sofrem acusações de estupro. Boa parte dos países se preocupa em exclui-los e fecha fronteiras. Coloca restrições e cercas. A Europa e os EUA alegam que não podem recebê-los, principalmente agora que ressurge uma onda de nacionalismo de direita e anti-imigração e não se interessam em ajudar essas pessoas, salvo alguns casos como na Alemanha. Outros países prometem que irão recebe-los, mas até agora não cumpriram.

Muitos acham lindo vê-los nas Olimpíadas, mas não cruzando as fronteiras dos nossos países. O problema não é só dessas pessoas imigrando, afinal, só da Síria cinco milhões de pessoas evadiram.

Os refugiados não têm escolha, não é uma alternativa ir para um outro país, não é o que alguém deseja nadar por três horas e morrer de frio e fome nos campos, enquanto os soldados não os deixam cruzar as fronteiras.

Mas voltando às Olimpíadas, os atletas nos dão uma lição genial, afinal, eles fazem fora exatamente o que os outros atletas tentam fazer dentro dos Jogos: são pessoas de diversas partes do mundo, integradas que tentam superar seus limites através do esforço, num momento em que graças à união sob a bandeira olímpica com os anéis representando as nações entrelaçadas, as fronteiras deixam de existir. Tudo é lindo quando falamos que não existem fronteiras que nos separam e que todos somos iguais, mas precisamos fazer isso também fora dos jogos. O problema não é apenas deles, é nosso também.