Lu Castro: Rebobine – Ressaca, Festa e Futebol

Tentarei discorrer sobre a participação da seleção feminina de futebol nos Jogos Olímpicos de uma maneira diferente da costumeira. Digamos que este roteiro está de trás para frente e a trilha é “Samba, suor e cerveja”, de Caetano Veloso.

Por Lu Castro*

Futebol feminino - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Cena final – Aquela maldita ressaca

~Não se perca de mim

Não se esqueça de mim

Não desapareça ~

E ela bateu. A bad. O estômago revirando, uma dor de cabeça tal qual uma enxaqueca miserável.
Para levantar a cabeça após os 15 dias da maior festa dos esportes, não foi nada fácil.

Várias foram as abordagens, notícias, declarações. O assunto é pontual e importante, por isso várias foram as pessoas que me procuraram para complementar matérias sobre o assunto futebol feminino. Lembraram-me, inclusive, que eu “profetizei” a ausência de medalha para a seleção feminina em matérias de 2014. Vamos combinar, não era tão difícil de prever. Mas me iludi sim!

A festa estava legal de verdade! Enquanto o país acompanhava atento o desempenho dos atletas brasileiros nas diversas competições ~e muitos “torcedores” cornetavam à exaustão todo e qualquer atleta que fracassasse~, o ministro interino dos esportes, anunciava a suspensão de um edital de 150 milhões de reais que garantiria a continuidade do desenvolvimento de esportes olímpicos pós-Olimpíadas.

Me senti numa cena de filme: bar muita gente bebidas quebra-pau mas a música não para

~ Não saia do meu lado
Segure o meu pierrot molhado
E vamos embolar
Ladeira abaixo
Acho que a chuva
Ajuda a gente a se ver ~

Para piorar a bad da ressaca, a seleção masculina conquista o ouro após uma exibição pífia na primeira fase. Comentário no Twitter: “Lu, pior será se a masculina conseguir o ouro. Acho que a feminina terá problemas!”.

Ah, os amigos da melhor rede social do mundo e suas visões! Típicas de quem já sabe como a banda toca e como funciona a euforia e a atenção de todos com o futebol feminino de 4 em 4 anos.

Não bastasse ver as meninas saindo de campo em lágrimas e, sobretudo, Formiga participar de sua última Olimpíada (jogou seis delas!) sem uma medalha em casa, ainda nos deparamos com a notícia de que a seleção permanente pode deixar de existir. Segundo o blog Bastidores FC, do portal Globo Esporte, um dos figurões da entidade cogitou extinguir a seleção permanente em razão do custo para mantê-la e a ausência de resultado nos Jogos.

~Venha, veja, deixa
Beija, seja
O que Deus quiser~

Prevenida que sou, tomei meus copos de cerveja lager com teor alcoolico acima dos 5,5%, entremeados com vários copos de água. Gato escaldado tem medo de água fria, certo? Ressaca braba? Não, tô de boa!

Cenas 2 e 3 – Ooooolaaa no Maraca e no Itaquerão – É festa, é alegria! É o futebol feminino contagiando a multidão!

~A gente se embala
Se embora, se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha
Se beija se molha
De chuva, suor e cerveja~

Terça-feira, 16 de agosto. Parto para o Rio de Janeiro com a atleta Rosana Augusto, uma das ausências mais inexplicáveis da seleção.

Apesar de toda a correria e cansaço, foi um dos momentos mais marcantes da minha vida por duas razões:

– Maracanã com mais de 70 mil pessoas prestigiando o futebol feminino; e

– Assistir ao jogo que nos tirou da final, ao lado de uma das atletas com mais qualidade no futebol brasileiro e que assistia à nossa derrota nos pênaltis como espectadora.

Passei o tempo todo imaginando como ela estava se sentindo alí, muito do lado de fora do campo.

Pensando no quanto esperou para disputar uma Olimpíada em casa e o que conseguiu, foi ver um nó tático empregado pela sueca Pia Sundaghe, da arquibancada do Maraca.

A festa estava legal, de verdade! Enquanto as meninas tentavam terminar o jogo no tempo normal, os torcedores deixavam claro que seu conhecimento sobre a modalidade se restringia a Marta, Formiga e Cristiane.

Mas presta atenção que lá vem a Ola…

Ooooooolaaaaa!

E eu, impassível, acompanhando aquele episódio que de festivo não tinha nada. Tempo normal zero a zero. Prorrogação zero a zero. Penalidades quatro a três para a Suécia.

Segue Caetano em loop
~ Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça ~

Saí do Maracanã injuriada. Jantei injuriada. Peguei o bus de volta a São Paulo no mesmo dia injuriada. Não tive descanso até colocar os pés em casa, mas ainda injuriada. Acordei injuriada e assim fiquei por dias.

Sexta-feira, 19 de agosto. Segui com minha filha para o Itaquerão. Restava a luta pela medalha de bronze diante do Canadá. O expresso Itaquera, partindo da Estação da Luz, foi um capítulo à parte da resenha toda. Nunca vi tanto brasileiro de bem no mesmo vagão, o que surtiu efeito urtiga nesta pobre escriba e militante do futebol das minas.

Mais uma vez uma arena cheinha de gente acompanhando futebol feminino. Que coisa linda! Mas só até aí. Em campo, um Canadá muito superior e um Brasil muito aquém do que se esperava, muito mais pelas substituições sofríveis promovidas pelo comando tático da seleção.

Em suma: Mais de 40 mil pessoas presenciaram um show de horror, mas ainda assim valia a festa para 98% deles. E dale ooooolaaaaaa!

~Não saia do meu lado
Segure o meu pierrot molhado
E vamos embolar
Ladeira abaixo
Acho que a chuva
Ajuda a gente a se ver~

Cena Inicial – Aquele futebol que sonhamos ou como a ilusão é bandida.

O futebol da seleção brasileira na primeira fase da competição foi dos mais empolgantes. Enquanto os meninos do Micale passavam sufocos monstros e apresentavam ao país uma geração de jogadores de condomínio que carecem de umas boas surras de sandália melissa, as meninas arrepiavam as adversárias.

Jogos com sangue nos olhos, disposição para fazer o placar favorável, uma entrega e uma raça que há muito a seleção masculina não apresentava. Pronto! Conquistamos o país, definitivamente! Três a zero contra a China. Cinco a um contra a Suécia. Um zero a zero insosso contra a África do Sul com o time praticamente composto pelas reservas.

~Venha, veja, deixa
Beija, seja
O que Deus quiser~

Nas quartas-de-final, um teste para cardíacos contra a Austrália, nossa algoz na Copa do Canadá. Era a revanche! Era nossa hora! Nossa casa! Nossa torcida! Era bom as australianas chegarem no sapatinho! Tempo normal, zero a zero. Prorrogação, zero a zero. E fomos à primeira partida realmente emocionante dos Jogos. Na disputa por pênaltis, Bárbara provando porque merece a titularidade desde a Copa, defendeu dois penais e nos levou à semifinal da competição.

~A gente se embala
Se embora, se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha
Se beija se molha
De chuva, suor e cerveja~

Os Jogos Olímpicos estão chegando! Vai começar a busca da medalha pelas #MeninasDeOuro!
Mas ao fundo, o que toca na minha fita mental rebobinada, é o pedido de Marta e Formiga…
~Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça~

*Lu Castro é jornalista, autora do blog Futebol para Meninas e colaboradora do Museu do Futebol para assuntos de futebol feminino