Cinco motivos para gritar: ‘É golpe’ e ‘Fora Temer’!

O golpe não é apenas parlamentar, mas uma articulação entre as elites econômicas e políticas mais atrasadas do Brasil, um verdadeiro golpe de classe contra os interesses dos trabalhadores e das minorias. A participação de setores da mídia e do judiciário ajudou a criar a narrativa de que era democrático e necessário.

Por Ana Luíza Matos de Oliveira, Guilherme Mello e Pedro Rossi*

Golpe é denunciado no Senado - EBC

1) NÃO HOUVE CRIME DE DILMA

Talvez o maior motivo para gritar GOLPE é o fato de que só pode haver impeachment de um governante caso ele tenha cometido CRIME DE RESPONSABILIDADE. Ao contrário do que muitos foram levados a acreditar, Dilma não foi julgada por atos de corrupção. Diga-se de passagem, ela nunca foi acusada de tais atos, ao contrário dos que a julgaram, como bem apontou quase toda imprensa internacional. Também não foi julgada por ter feito um mau governo, até por que esse fato se corrige nas urnas, não através de impeachment.

A acusação que levou ao impeachment da presidenta Dilma foi a edição de três créditos suplementares, de valores irrisórios no gasto público total, que não aumentaram o gasto público e que estavam totalmente respaldados pela lei até o momento de sua edição.

Tanto é assim que até o Ministério Público Federal, ao investigar o caso, admitiu que não havia crime de responsabilidade cometido pela presidenta da República. No caso das chamadas “pedaladas fiscais”, além de não configurarem crime de responsabilidade (como bem disse o MPF), foram atos praticados por ao menos 17 governadores em seus mandatos, dentre eles o relator do impeachment Antônio Anastasia (PSDB) e o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) .

O pretexto dos créditos suplementares é tão supérfluo quanto irrelevante. Em 2015, o governo fez o maior ajuste fiscal da história. Como bem disse o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, foi um ano marcado pela contenção de gastos e pelo ajuste recessivo, pagando ao final do período TODAS as contas em atraso do governo federal. A retórica de que o desleixo fiscal levou à crise econômica é absurdamente falsa. A crise econômica levou à crise fiscal, e o rigor fiscal de Dilma foi o combustível da crise.

2) O VICE É UM TRAIDOR

Nem o então político norte-americano Frank Underwood da série House of Cards conspirou tão abertamente contra um presidente eleito, a ponto dos criadores da série fazerem piada com a política brasileira e o vice golpista. Desde o ridículo episódio da carta pública em que Temer reclamava da “desconfiança infundada” da presidenta, passando pela divulgação “não intencional” de um vídeo falando como presidente mesmo antes da votação do golpe, o golpista não teve nenhuma vergonha de puxar o tapete de Dilma ao longo de todo processo de impeachment.

3) EDUARDO CUNHA É O LÍDER POLÍTICO DO GOLPE

O herói do golpe foi eleito presidente da Câmara com o apoio do PSDB e do “centrão” para desestabilizar o governo em conchavo com Temer e a oposição. Ele aceitou o processo de impeachment como mera retaliação ao PT, que havia anunciado que votaria pela cassação do deputado, notoriamente corrupto e portador de contas ilegais fora do país . Ter em Eduardo Cunha o mentor político do impeachment é uma mancha que os golpistas terão que carregar o resto da vida.

4) O GOLPE É O REFÚGIO DOS CORRUPTOS E OLIGARCAS

Mudar o governo foi uma estratégia de conveniência dos corruptos para “estancar a sangria”, como disse o ex-ministro interino golpista Romero Jucá. Hipócrita, o golpe “contra a corrupção” produziu um governo recheado de investigados pela operação Lava Jato. Além de vários corruptos, a totalidade dos ministros de Temer são homens, brancos, velhos e ricos.

5) O GOLPE TEM MOTIVAÇÕES ECONÔMICAS E VISA A DESTRUIR DIREITOS

O governo interino mal assumiu o poder e já mostrou a quem serve. A lista de retrocessos é longa: “Privatizar tudo o que for possível”, desmontar o SUS, reduzir salários, desvincular as aposentadorias do salário mínimo, entregar o pré-sal para os estrangeiros, desvincular recursos da educação e saúde, reformar a previdência para aumentar o tempo de trabalho, flexibilizar os direitos trabalhistas, retroceder na reforma agrária e na demarcação de terras indígenas, etc. Todas mudanças que favorecem os ricos em detrimento dos pobres e dos trabalhadores, que acabarão pagando “a conta” da crise, mesmo sem perceberem. Assim, quer se consolidar o projeto do golpe, que é implementar um modelo privatista e concentrador do ponto de vista social.

Por fim, cabe lembrar que o golpe não é apenas parlamentar, mas uma articulação entre as elites econômicas e políticas mais atrasadas do Brasil, um verdadeiro golpe de classe contra os interesses dos trabalhadores e das minorias no Brasil. A participação de setores da mídia e do judiciário foi fundamental para consolidar o golpe, em particular ao criar uma narrativa supostamente neutra e repetida em uníssono diariamente para a população de que o golpe era justificado, democrático e necessário. Basta perceber que aqueles veículos da grande mídia que olham o processo político de fora não têm dúvida: foi golpe!

E fora Temer!

*Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp); Guilherme Santos Mello é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon-Unicamp); Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp e coordenador do Conselho Editorial do Brasil Debate.