A derrubada da classificação indicativa

Política bem sucedida e que costuma gerar consenso na sociedade, a regra que obriga as emissoras de televisão a veicular conteúdos respeitando o horário estabelecido pela Classificação Indicativa não existe mais. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quarta-feira (31), que o mecanismo é inconstitucional e impõe “censura prévia” à programação. 

Por Felipe Bianchi*

classificacao indicativa

A decisão vai na contramão da luta de organizações da sociedade civil, que chegaram a lançar, no início do ano, a campanha Programa adulto em horário adulto. “Trata-se de um enorme retrocesso”, avalia Renato Godoy, pesquisador do Instituto Alana. “A leitura feita pelo STF coloca interesses econômicos sobre os direitos da criança, privilegiando uma suposta liberdade de expressão que, na verdade, nunca esteve em xeque”.

A Classificação Indicativa está prevista na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo em questão (254) previa multa para emissoras que transmitissem “espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação”. Sem a punição financeira, avalia Godoy, a política da vinculação do horário se torna inexistente.

“O argumento da censura prévia é equivocado. O conteúdo considerado impróprio pode, sim, ser exibido, mas com limites, de forma a proteger e garantir a inviolabilidade das condições físicas, psíquicas e morais da infância”, defende Godoy.

Ele ainda questiona a necessidade de as corporações de radiodifusão alterarem a legislação. O tema, segundo ele, sempre foi bastante consensual na sociedade. Até mesmo na hora de estabelecer a Classificação Indicativa, explica, havia um índice altíssimo de concordância entre o Ministério da Justiça, as produtoras audiovisuais e as empresas que produzem telenovelas, por exemplo.

Sinalização negativa sobre regulação

De acordo com Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a Classificação Indicativa ocorre em um espaço público, que são as concessões públicas de radiodifusão. Como se trata de um espaço regulado pelo Estado, nada mais natural que existirem regras.

“As políticas de Classificação Indicativa são consenso dentro de padrões mundiais de políticas para a liberdade de expressão”, sublinha. “As regras existem em praticamente todos os países com democracias mais avançadas”.

O argumento da censura prévia, defendido pelas entidades patronais da radiodifusão (como a Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), é uma sinalização negativa, afirma Barbosa. “A regulação ser tratada como censura é um grave precedente”, comenta. A bandeira é comumente utilizada contra qualquer tentativa de impor regras e limites ao poder dos meios de comunicação, como por exemplo através de um novo marco regulatório para o setor.

Os ministros que votaram a ação, impetrada cinco anos atrás pelo PTB e endossada pela Abert, foram Teori Zavascki, Marco Aurélio, Celso de Mello, Dias Toffoli, Ayres Britto (já aposentado), Luiz Fux e Carmen Lúcia. Os três últimos votaram ainda em 2011.

Apesar de o posicionamento dos sete votos, as opiniões de cada ministro foram diferentes, explica Barbosa. Enquanto Marco Aurélio defendeu que só os pais devem controlar o que vêem as crianças, outros ministros afirmaram a importância da Classificação Indicativa, mas acabaram retirando a imposição de multa a quem ferir a recomendação.

“As organizações que lutam pela democratização da comunicação têm de estar atentas. A regulação não prevaleceu nem mesmo sobre um tema como a Classificação Indicativa, ferindo os direitos da criança e do adolescente", alerta. "Os riscos que estão colocados para a sociedade e para a agenda de luta pela democratização da comunicação é algo bastante preocupante".