Nair Goulart: uma vida de luta

Nair Maria de Jesus Goulart é mais do que parte da história do sindicalismo no Brasil. Ela foi uma das grandes construtoras desta história.

Por Milton Cavalo*

Nair Goulart - Foto: CMS

 Sua vida é um exemplo de luta. Como seus pais faleceram muito cedo, foi criada por uma família que a adotou. Seu pai adotivo era pedreiro e sua mãe adotiva, lavadeira. Aos 12 anos, vivendo no município de Divinópolis, começou a trabalhar como empregada doméstica para ajudar a família.

Em 1968, período de intensa repressão no Brasil, Nair, então com 17 anos, entrou para o grupo de jovens da igreja, conhecendo vários militantes de esquerda. A partir disso começou a se interessar pela política e, devido à sua atuação no grupo foi convidada para participar do movimento estudantil na cidade.

Quando concluiu o ginásio, em 1969, partiu sozinha para Belo Horizonte, em busca de emprego e de uma situação melhor na capital. A essa altura ela já tinha um grande interesse em participar da política e ajudar a combater a ditadura. Decidiu, então, com seu companheiro Beto, mudar para o Rio de Janeiro. Com a cara, a coragem e uma mala de roupa na mão, mudaram-se para o Rio em 1973.
Nair fez o curso de inspetora de qualidade e começou a trabalhar em uma indústria têxtil. Chegou a participar do Sindicato dos têxteis no Rio de Janeiro, em 1975. Foi perseguida durante o regime militar e teve que se mudar para São Paulo em 1977, onde trabalhou na metalúrgica DF Vasconcelos e, depois, na linha de montagem da Caloi.

Em depoimento concedido ao Centro de Memória Sindical, em 1985, Nair falou sobre sua chegada em São Paulo e sobre suaa entrada no Sindicato dos Metalúrgicos:

“A gente chegou em São Paulo num sábado. Olhamos o jornal, o Estadão, e estava cheio de oferta de emprego. Era um período de pleno emprego. As fábricas de São Paulo, ali de Santo Amaro, punham aquelas placas enormes: ‘Precisa-se’. A Villares, a Metal Leve, essas fábricas grandes, todas pedindo ‘precisa de ferramenteiro’, ‘ajudante geral’, tudo. Havia também várias ofertas de emprego, na minha área, controle de qualidade. Aí eu olhei, escolhi e fui na primeira ‘DF. Vasconcelos’, que fabricava periscópio para a Marinha. Olha só, para a Marinha! Eu trabalhava para o Exército! Fui lá, fiz teste e aí voltei. Tinha certeza que tinha ido bem. Sabia o que estava fazendo. Aí o engenheiro foi conversar comigo e disse: ‘Olha, o seu teste foi ótimo. Você está muito bem preparada, tem o perfil, mas tem um problema, não vamos poder te contratar, porque na fábrica não tem mulher trabalhando. Só homens. Como é que você vai poder trabalhar como inspetora? ’. Aí eu senti na pele. Mas não tinha consciência nenhuma de gênero, nada disso. Conversei com ele, disse que achava isso uma coisa complicada, porque eu estava preparada para a função e precisava da oportunidade. Resolvermos tentar e fui trabalhar naquela fábrica. Adorava o emprego, gostava do meu trabalho, nunca tive problema com o pessoal, nada. Ao contrário, o pessoal me adorava. Eu entendia bastante de desenho, discutia com os ferramenteiros, com o pessoal do desenho, e dava certo. Depois, fui trabalhar na Caloi, fui eleita para a Cipa, e passei a participar do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Dentro da Caloi, comecei a fazer um trabalho sindical. Daí veio a proposta para composição da chapa, dentro de um acordo com o Joaquim dos Santos de Andrade. Uma chapa de unidade. E nós, evidentemente, estávamos afim trabalhar nessa unidade. Entramos para diretoria em 1981. Havia duas mulheres na chapa, a Mariazinha (Maria Raimunda Nunes Pereira) e eu. Fomos as primeiras mulheres a participar da direção deste Sindicato”.

De fato, sua vida em São Paulo foi bastante profícua. Ela participou do processo de organização das centrais sindicais, da Conclat de 1981 e foi uma das organizadoras do 1º Congresso de Mulheres Trabalhadoras Metalúrgicas de São Paulo, em 1986. Em oito de março de 1991, no Congresso de Fundação da Força Sindical Nacional, foi eleita Secretária Nacional de Políticas para as Mulheres.

No ano 2000 Nair mudou-se para a Bahia, onde assumiu a frente da Força Sindical do Estado.
Em sua vida ela foi uma das mais ativas e coerentes lideranças do movimento sindical nacional e internacional. Foi presidente Adjunta da Confederação Sindical Internacional (CSI), membro do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CNDES). Na Bahia, fez parte do Comitê Gestor da Agenda Bahia de Trabalho Decente e compôs o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, CODES- BA.

Em 2014, por iniciativa da vereadora Fabíola Mansur (PSB), Nair foi homenageada na Câmara Municipal de Salvador, pela sua vida de lutas, recebendo a Comenda Maria Quitéria.
Há seis anos vinha lutando contra o câncer, vindo a falecer no dia sete de setembro de 2016. Mãe e avó, sua história é exemplo para todas as mulheres e homens. Ela conseguiu se firmar realizar um importante trabalho em uma época de repressão política e em ambiente predominantemente masculino. Sua trajetória abriu caminho e serve de exemplo para diversos trabalhadores e trabalhadoras que abraçaram a luta sindical.