Jorge Cadima: A propaganda bélica é feita de mentiras bem divulgadas

Em artigo publicado no jornal Avante!, do Partido Comunista Português, o articulista Jorge Cadima reúne uma série de exemplos de mentiras divulgadas pela propaganda ocidental, que serviram para campanhas midiáticas de desinformação contra o governo legítimo da Síria e contra a ajuda russa ao país do Oriente Médio na sua guerra contra o terrorismo implantada por potências estrangeiras.

Mahmoud Raslan

A foto da criança síria que supostamente sobreviveu a um bombardeio das forças governamentais encheu as primeiras páginas.

Explorando os sentimentos que a foto naturalmente suscita, a campanha midiática adubou o terreno para maiores intervenções das potências imperialistas, responsáveis pela guerra na Síria.

Mas em quase total silêncio passou a revoltante história de outra criança na Síria, degolada e decapitada por "rebeldes moderados" financiados e armados pelas potências imperialistas.

Os carrascos gravaram orgulhosamente tudo em vídeo (versão legendada em inglês em my.mixtape.moe/vkzsxr.mp4). No vídeo, os "combatentes pela liberdade" imperialista fazem troça da doença da criança, e quando o infeliz pede para ser morto a tiro e não degolado, afirmam em tom de chacota que "somos piores que o Estado Islâmico" e procedem à sua decapitação.

A BBC referiu-se ao caso em, 21 de julho de 2016, mas dando o título de "Conflito sírio: rapaz decapitado por rebeldes ‘era combatente’ " o que, convenha-se, mais parece uma tentativa de justificar a barbárie.

As histórias das duas crianças têm até uma ligação direta. O fotógrafo da foto que fez manchetes tem também alegres selfies com os carrascos do jovem cuja decapitação não mereceu relevo na comunicação social de regime (off-guardian.org, 23 de agosto de 2016).

No início deste ano, o então ministro da Defesa de Israel, Moshe Ya’alon, deu razões para esta convivência com a barbárie: "Se na Síria a escolha é entre o Estado Islâmico (Daesh) ou o Irão, eu escolho o Estado Islâmico" (Times of Israel, 19 de janeiro de 2016).

Há poucos dias, um professor universitário em Israel escreveu que "a continuação da existência do Daesh serve um objetivo estratégico. Por que se há-de ajudar o brutal regime de Assad a ganhar a guerra civil Síria?" (besacenter.org, 2 de agosto de 2016).

Os "valores ocidentais" convivem bem com a decapitação de crianças.

A propaganda bélica é feita de mentiras bem divulgadas. Muitos lembrar-se-ão da campanha em 2014 sobre uma alegada violação de águas territoriais suecas por um "submarino russo".

Poucos saberão que no início deste verão, o ministro da Defesa sueco confessou que "o sinal de sonar, que os militares suecos consideraram o indício crucial da presença de um submarino estrangeiro perto de Estocolmo durante as buscas de 2014, era proveniente de um 'objeto sueco' " (Russia Today, 12 de junho de 2016).

A campanha serviu no entanto para "justificar um aumento de muitos milhões de dólares nas despesas militares" e para promover a adesão da Suécia à Otan. Também o Ministério da Defesa britânico acabou por reconhecer (em resposta à Câmara dos Comuns, HCWS177, 7 de setembro de 2015) que os danos a uma embarcação de pesca no Mar da Irlanda em abril de 2015 não tinham sido, como a comunicação social na altura se encarregou de repetir, obra deum submarino russo, mas sim "de um submarino do Reino Unido".

Mas, tal como na recente revelação da inocência de Slobodan Milosevic, a comunicação social do regime não encontra espaço para desmentir as falsas informações das suas manchetes.

Talvez pelas contradições nas negociações do TTIP, a revista alemã Der Spiegel (28 de julho de 2016) também se queixa das mentiras de guerra. Acusa "uma rede clandestina de agitadores ocidentais, em torno do dirigente militar da Otan (General Breedlove) de alimentar o conflito na Ucrânia", através de "fontes duvidosas" que "exageram as atividades russas".

Como diz o ditado, quando se zangam as comadres, sabem-se (algumas) verdades. No fim, o artigo diz que "a saída do General Breedlove do seu cargo na Otan não acalmou ninguém […] A provável sucessora [de Obama], a democrata Hillary Clinton, é considerada de linha dura face à Rússia. Mais: [Victoria] Nuland, uma diplomata que partilha muitos dos mesmos pontos de vista de Breedlove, poderá vir a ocupar um lugar ainda mais importante após as eleições de Novembro [como] ministro dos Negócios Estrangeiros".

A guerra é indissociável do imperialismo. E as mentiras são indissociáveis da propaganda de guerra.