Sergio Araujo: Um governo sem começo, meio e fim

O impeachment da ex-presidente Dilma, as prisões da Lava-Jato e as eleições municipais, serviram de cortina de fumaça para o agravamento da crise financeira e institucional do Estado. Nesse período, a ameaça do secretário estadual da Fazenda de que o Rio Grande do Sul iria conhecer o caos, não só se concretizou como transformou a vida dos gaúchos num inferno. A insegurança, principal reflexo da falência do poder público, aumentou, a ponto de adquirir ares de barbárie.

Por Sergio Araújo, no Sul21

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O pagamento dos servidores, cada vez mais dilatado e dilacerado, pelas notícias da imprensa, terá como primeira parcela do mês de outubro, humilhantes quinhentos reais. Enquanto isso, os prestadores de serviço do Estado, muitos deles ligados à área da Saúde, sofrem com a incerteza dos pagamentos a que fazem jus. Faltam recursos para a conservação de nossas estradas, para a recuperação de prédios escolares e outros serviços básicos. Novos investimentos então, nem pensar.

Diante desse quadro de calamidade pública, natural que a sociedade, através das suas instituições organizadas, tenha perdido a paciência. Refiro-me às iniciativas da OAB-RS, que deliberou pelo pedido de abertura de uma CPI na Assembleia Legislativa para identificar responsabilidades e buscar soluções para o aumento da insegurança pública, e do Cpers-Sindicato, que protocolou pedido de impeachment do governador Sartori por descumprimento das decisões judiciais de pagamento integral dos salários da categoria.

Mais do que responsabilizar aqueles que se mostram impotentes para gerir os interesses da população, tais iniciativas trazem à tona a discussão de problemas que não podem ser tratados como se fossem consequência natural de questões meramente financeiras. Fosse assim, como explicar que outros estados, também vítimas da crise econômica, estejam conseguindo superar entraves parecidos com os nossos? O Rio Grande do Sul, ao contrário, só faz piorar o que já estava ruim. E um governo eleito para resolver problemas não pode se apegar a explicação simplista da falta de dinheiro para justificar sua ineficácia.

Como considerar natural o aumento de 34,8% dos latrocínios (roubo seguido de morte) praticados no primeiro semestre deste ano, vários deles com requintes de crueldade. Como aceitar que servidores responsáveis por serviços essenciais para a população, como policiamento e educação, não possam, ao final do mês, pagar suas contas e prover suas famílias das mínimas condições de sobrevivência, como por exemplo a de se alimentar adequadamente.

E que os defensores do governo não venham dizer que se trata de radicalismo ou mesmo má vontade. Foram quase dois anos de tolerância. Meio período de governo. Nesse tempo, impostos foram aumentados; a dívida do Estado para com a União foi repactuada e o pagamento mensal suspenso por um ano; conquistas trabalhistas foram extintas; salários do funcionalismo foram congelados; investimentos em infraestrutura praticamente zerados, e muito mais. Sacrifícios, que pelo que se observa, de pouca ou nenhuma praticidade.

O governo precisa entender que o conceito de temporariedade para ele não é o mesmo que para o cidadão. Este último, pela dependência histórica com o Estado, tem pressa. Pior, tem medo. Medo de não ver seus filhos retornarem da escola. Medo de sair às ruas. Medo de adoecer e não receber atendimento. Medo de perder seu patrimônio duramente construído, por não poder pagar os seus compromissos financeiros. E o medo é o pior sentimento, porque leva ao descrédito de que é possível mudar a vida para melhor.

Que o governo do Estado não se baseie apenas na numerologia, como parece ser da sua preferência. De que por possuir maioria governista no Parlamento irá abortar as iniciativas da OAB-RS e do Cpers. Pode ser até que isso aconteça, mas outras virão, pois um povo amedrontado e desesperançado é capaz de tudo. E sejamos francos, fidelidade nunca foi uma característica da classe política, ainda mais quando ela coloca em risco o futuro político dos seus representantes. Como diz o ditado, “não há mal que sempre dure, e não há bem que nunca acabe”.