Saiba por que Cunha elencou Temer e Lula como testemunha de defesa

Preso desde 19 de outubro, o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) chamou Michel Temer (PMDB), seu aliado no golpe, o ex-ministro Henrique Alves (PMDB-RN), entre outras figuras públicas, como testemunhas de defesa no processo que responde no âmbito da Operação Lava Jato em Curitiba. Além dos amigos de cúpula do PMDB, Cunha também elencou o ex-presidente Lula.

Michel Temer e Eduardo Cunha

A convocação das testemunhas faz parte da estratégia da defesa prévia de Cunha, protocolada esta semana, que pede que a denúncia contra o ex-deputado seja rejeitada. Foram incluídas 22 testemunhas no processo. Os advogados argumentaram que "o número de testemunhas se justifica pelo número de fatos imputados ao defendente". Veja a lista de testemunhas abaixo.

Em entrevista ao Portal Vermelho, o professor de direito penal da PUC de Minas Gerais, Leonardo Isaac Yarochewsky, apontou alguns dos possíveis motivos que levaram a defesa de Eduardo Cunha a arrolar aliados e adversários políticos como testemunhas de defesa.

Leonardo salientou que, sem conhecer os autos, é muito difícil falar sobre qual é a real finalidade que levou a definir tais testemunhas de defesa, mas destacou que, em geral, o objetivo “da defesa é arrolar testemunhas que tenham pertinência com o caso”.

“Temos que distinguir duas coisas. Uma é arrolar a testemunha para comprovar sua inocência, contestar a acusação, para contraditar a própria acusação. Outra é arrolar a testemunha para constrange-la, num intuito até ameaçador do tipo: “Olha eu te arrolei, veja lá, pois eu sei coisas sobre você”, frisou o professor.

Apesar de muito ligados, a decisão de Cunha de incluir o agora presidente Michel Temer em sua lista de testemunhas pode ter outros objetivos. Por conta do foro privilegiado, além d Curitiba, o pedido deverá ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Se considerar desnecessário ouvir o presidente, Temer será excluído da lista. Agora, se Temer for incluso, as investigações poderiam ficar travadas.

Por conta do foro privilegiado, Temer tem a prerrogativa de marcar data, hora e local para ser ouvido, além de ter a opção de responder as indagações por escrito. Mas como qualquer testemunha em juízo, o presidente terá de assumir o compromisso de não mentir.

“Tudo depende da estratégia da defesa. Eu acompanhei o caso da Ação Penal 470 e o Lula foi arrolado pelo Roberto Jefferson e respondeu por escrito”, lembrou Leonardo, citando o episódio em que o também cassado deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) indicou o então presidente Lula entre as suas 33 testemunhas para serem ouvidas em sua defesa prévia no processo da Ação Penal 470, em 2008.

“É importante lembrar que Lula também está sendo processado e até por garantia da defesa do ex-presidente ele poderia se recusar a responder no sentido de que ele não pode produzir prova contra ele mesmo. Se alguma pergunta da defesa do Eduardo Cunha for no sentindo de prejudicar a defesa do ex-presidente ele pode ser recursar a responder. Lembrando que o réu tem o direito ao silêncio e isso não pode ser interpretado contra a sua defea”, salientou.

Cerceamento da defesa

Os advogados de defesa de Eduardo Cunha também informaram que não tiveram acesso a provas. "A falta da disponibilização, nos presentes autos, da totalidade do material probatório leva ao cerceamento de defesa e à impossibilidade de início do processo", argumentou a defesa.

Para o professor, esse é um dos absurdos produzidos pela Lava Jato. “Isso é um absurdo. Não é porque é o Cunha, que seja com qualquer outra pessoa, é preciso respeitar o devido processo legal. Isso é fundamental. Seja contra o Cunha, seja contra o Lula ou qualquer outro acusado”, destacou o professor.

Ele também criticou o uso das prisões preventivas como instrumento de pressão para a delação. “Essa quantidade de prisões com o objetivo de obter delação, ou seja, prisão como moeda de troca de delação premiada, é um absurdo”, afirmou. “Tem sido costumeiro. A delação tem toda uma questão ética e moral que já é questionável por si só, mas está sendo utilizada nas mãos de procuradores da República, força-tarefa da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro como moeda de troca para obtenção da delação. Ameaça de prisão de familiares de indivíduos acusados para que eles delatem”, reforçou.

Segundo o jurista, a prisão preventiva não pode se transformar em antecipação da tutela penal. “Não se admite num Estado Democrático de Direito que a prisão seja utilizada como meio para obtenção de delação. A prisão preventiva só pode ser decretada em casos extremos e excepcionais, até porque a lei prevê outras medidas menos gravosas que a prisão preventiva”, completou.

Ele também classificou como “lamentável” as afirmações feitas pelo juiz Sérgio Moro e o próprio Tribunal Federal Regional da 4ª Região, de que a Lava Jato era um caso excepcional e, portanto, valem medidas excepcionais. “Isso é o reconhecimento de um estado de exceção”, denunciou o professor da PUC.

“É lamentável que a expressão que foi atribuída a Maquiavel, de que os fins justificam os meios, seja aplicada contra os princípios fundamentais. Em nome de um suposto combate à corrupção elege-se determinados inimigos e contra os inimigos vale tudo. A sociedade precisa estar atenta contra isso, pois hoje é contra o Cunha, amanhã é contra o Lula, mas depois será contra qualquer cidadão. Isso é próprio do estado de exceção em que se abandona o direito, se atropela as garantias em nome de uma política punitivista e de um direito penal baseado no populismo penal em que se rasga a Constituição”, concluiu.

Veja a lista de testemunhas

Michel Miguel Elias Temer Lulia, presidente da República

Felipe Bernardi Capistrano Diniz, economista, filho de ex-deputado Fernando Diniz

Henrique Eduardo Lyra Alves, ex-ministro do Turismo nos governos Dilma e Temer

Antônio Eustáquio Andrade Ferreira, ex-deputado federal

Mauro Ribeiro Lopes, deputado federal

Leonardo Lemos Barros Quintão, deputado federal

José Saraiva Felipe, deputado federal

João Lúcio Magalhães Bifano, ex-deputado federal

Nelson Tadeu Filipelli, ex-deputado federal

Benício Schettini Frazão, Engenheiro ligado à Petrobras

Pedro Augusto Cortes Xavier Bastos, ex-gerente da Petrobras

Sócrates José Fernandes Marques da Silva, ex-engenheiro da Petrobras

Delcídio do Amaral Gómez, ex-senador cassado

Mary Kiyonaga, ligada ao Banco Merrill Lynch

Elisa Mailhos, ligada à empresa Posadas Y Vecino

Luis Maria Pineyrua, ligados à empresa Posadas Y Vecino

Nestor Cuñat Cerveró, ex-diretor Petrobras e colaborar da Lava Jato

João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara

Hamylton Pinheiro Padilha Júnior, ex-diretor da Petrobras e colaborador da Lava Jato

Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente

José Carlos da Costa Marques Bumlai, pecuarista e um dos réus da Lava Jato

José Tadeu de Chiara, advogado