24 horas, um retrato dos EUA e seus erros que custam milhares de vidas

Nas oito temporadas de 24: Live Another Day o agente da Unidade Contra Terrorista (CTU), Jack Allan Bauer, enfrenta ameaças contra a segurança nacional dos Estados Unidos. Ameaças como armas biológicas (disseminação de vírus letais) e bombas nucleares (também com alto potencial de destruição).

Por Carolina Maria Ruy*

24 horas - Divulgação

Os “vilões”, dispostos a promover matanças em série, não são um grupo, uma pessoa ou um país. A estrutura da vilania é um emaranhado de países, culturas e interesses diversos.

A cada temporada um novo emaranhado segue a ordem: primeiro a face estereotipada de um terrorismo islâmico, depois o QG de velhos inimigos, como Rússia e China, até chegar a grupos originários da Europa Ocidental ou, até mesmo, de dentro do governo estadunidense.

Críticas e “alfinetadas” com relação à inação de instituições como o FBI, a CIA e a ONU apimentam a série. Tais instituições, quando não se atrapalham com seu aparato burocrático, aparecem corrompidas por agentes infiltrados.

Em 24 Horas é assim: o inimigo está em toda parte e pode ser qualquer um.

Para desmontar planos bem intrincados contra a nação, a população e a soberania norte-americanas, Bauer usa todo e qualquer recurso que esteja ao seu alcance, passando ao largo de leis, convenções e tratados nacionais e internacionais. E tudo em 24 horas.

Com isso a série não só exibe um complexo sistema de monitoramento e espionagem – praticados por analistas de dados – como também o uso extensivo da tortura para obter informações que ajudem a combater supostos acontecimentos terríveis.

Jack tortura e mata com a naturalidade de quem abre uma porta. E tanto a violação da privacidade quanto a violência física são destinadas não só aos inimigos externos. Ela também ocorre entre os próprios agentes, em nome de um “bem maior”. Todos os personagens correm riscos todo o tempo.

Frases repetidas exaustivamente por toda a série dizem muito sobre o senso comum estadunidense quando o assunto é a ideia (de tão forte apelo e, ao mesmo tempo, tão abstrata) da “segurança nacional”.

Três destas frases resumem os 192 episódios, ou as 192 horas mais difíceis na vida de Jack Bauer: “Esta era nossa única pista”, “Milhares de vidas estão em jogo” e, sobretudo, “Preciso fazer o que tem que ser feito”.

O que tem que ser feito é, neste caso, o serviço sujo para solucionar o problema de forma rápida e eficaz. Seu verdadeiro sentido pode ser melhor entendido como “vale tudo”.

O valor de uma vida em comparação ao destino de milhares de pessoas e o direito de decidir quem vai viver, são interrogações que pairam sobre a consciência perturbada do agente. Suas ações são bem articuladas, ambíguas e imorais.

O personagem, entretanto, é forte, pois incorpora a metáfora do comportamento dos Estados Unidos diante de seus supostos inimigos internacionais, sobretudo ao longo do governo de George W. Bush (20 de janeiro de 2001 a 20 de janeiro de 2009 – 24 Horas começou em novembro de 2001 e terminou maio de em 2010).

O ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, ocorreu alguns meses depois do início da série. Isto pode ser surpreendente, mas, embora a tragédia tenha endurecido as ações de ambos os lados, as guerras entre EUA e países do Oriente Médio remontam há muitos anos antes. Remontam à crise do petróleo, à questão Palestina e às guerras no Golfo, no Iraque e no Afeganistão.

Hoje se sabe que, nesses conflitos, sobretudo a partir do início da chamada “Guerra ao Terror”, articulada por Bush, a tortura e a violação aos direitos humanos foram praticadas em larga escala por instituições norte-americanas. Sabe-se ainda que, ao contrário do que a série demonstra, o uso da tortura não levou à obtenção de nenhuma informação útil à preservação da segurança nacional.

E é aí que, mais do que fazer apologia, 24 Horas levanta polêmicas e mexe com valores americanos. Jack Bauer é o elemento ativo no centro de crises internacionais. A série, instigante, imprevisível, eletrizante, provocadora e inteligente é, mais do que qualquer coisa, um retrato das últimas décadas da história dos Estados Unidos da América, com seu ostensivo poderio e com seus erros que custam “milhares de vidas”.

24: Live Another Day

EUA, 2001/2010
Direção: Joel Surnow, Robert Cochran

Elenco: Kiefer Sutherland, Carlos Bernard, Dennis Haysbert, Elisha Cuthbert, Mary Lynn Rajskub

Assista ao trailer: