O legado de Abdias Nascimento no combate ao racismo

A partir de 17 de novembro, a exposição Ocupação Abdias Nascimento, que mostra toda a trajetória do intelectual negro, fundamental para a história de combate ao racismo no Brasil, estará no Itaú Cultural, na capital paulista. Ele foi escritor, artista visual, teatrólogo, político e poeta, além de um dos maiores ativistas dos direitos civis e humanos das populações negras.

Abdias Nascimento - Reprodução

A exposição resgata momentos de sua história, sua participação em grupos artísticos como a Santa Hermandad Orquídea, o Teatro do Sentenciado, o Teatro Experimental do Negro e o Museu de Arte Negra, além de grupos de articulação política, social e de pesquisa, como a Convenção Nacional do Negro, o Memorial Zumbi e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro). Estarão também representados seus mandatos como deputado e senador.

Com curadoria do Itaú Cultural e do Ipeafro, o público poderá conferir o legado de Abdias (1914-2011), que incluem suas obras teóricas abordando questões relacionadas a lutas sociais, afirmação de identidades negras e defesa de seus direitos, além de performances, leituras dramáticas de peças encenadas pelo Teatro Experimental do Negro (TEN) e o lançamento da reedição do livro O Genocídio do Negro Brasileiro. Depois de uma grande pesquisa a partir do acervo do Ipeafro, a curadoria reuniu também pinturas, documentos históricos, correspondências, discursos, entrevistas, depoimentos, manuscritos e fotografias.

Quatro eixos formam a Ocupação Abdias Nascimento: A Mulher da Banda de Fora, Teatro Dentro de Mim, As Borboletas de Franca e Sankofa, que apresentam uma relação entre a produção artística e política de Abdias, mostrando como ele trabalhou de forma estética e discursiva com temas como combate ao racismo, pan-africanismo, diáspora africana, ancestralidade e tradições religiosas e signos de matriz africana.

A curadora e presidente do Ipeafro, Elisa Larkin Nascimento, que foi esposa de Abdias durante os últimos 38 de vida do ativista, acredita que todo o material produzido por ele é ainda muito atual, citando o livro O Genocídio do Negro Brasileiro, publicado no Brasil em 1978.

“Esse título do livro não podia ser mais contemporâneo, porque é exatamente o que se denuncia quase todos os dias. Nós estamos vendo a juventude negra ser assassinada pela polícia e pela violência, estamos assistindo à violência religiosa contra as comunidades e terreiros. Quase todo dia você tem a invasão ou a depredação de alguma comunidade, de algum terreiro de candomblé, nós estamos vendo a discriminação contra os filhos dessas comunidades religiosas nas escolas, tivemos uma menina que foi apedrejada, enfim, vários tipos de violência”, disse. “O genocídio, quando vemos a definição dessa palavra, ela não se refere apenas à morte física, mas também à morte de uma cultura, do legado cultural de um povo. E é isso que ele [Abdias] diz nesse livro”.

Trajetória

Aos 30 anos, Abdias Nascimento havia sido duas vezes preso político; viajado pela América do Sul, a partir do Amazonas, com os poetas da Santa Hermandad Orquídea; passado um ano no Teatro del Pueblo de Buenos Aires; e criado dentro do Carandiru, enquanto prisioneiro, o Teatro do Sentenciado. Na prisão, ele escreveu os livros Zé Capetinha e Submundo. “Quando apontavam para ele as portas dos fundos, ele não aceitava”, disse Elisa sobre a resistência de Abdias a situações de discriminação.

Abdias teve uma extensa atuação artística no Teatro Experimental do Negro (TEN), criado por ele, de onde também organizou convenções e congressos para combater o racismo na academia e na política. Ele assumiu como deputado federal ao lado do indígena Mário Juruna. Foi senador e secretário do governo do estado do Rio de Janeiro. Abdias continuou pintando e publicou peças e poesias, além de obras como O Quilombismo, O Genocídio do Negro Brasileiro e Sitiado em Lagos.

Segundo Elisa, desde criança Abdias viveu situações que o levaram para o caminho do combate ao racismo. Nascido na cidade de Franca (SP), em 1914, ele cresceu em meio às fazendas de café, que haviam substituído a mão de obra de escravos negros por imigrantes. Na infância, ele acompanhava sua mãe, que, na época, servia como ama de leite nas fazendas. Lá, havia professores para os filhos dos imigrantes. Elisa disse que, apesar de gostar de ir à escola e querer estudar junto a essas crianças, Abdias não podia, porque era negro. “Esses são só alguns exemplos das coisas que ele passava e que consolidaram nele essa convicção de lutar contra o racismo”.

A exposição Ocupação Abdias Nascimento fica em cartaz de 17 de novembro de 2016 até 15 de janeiro de 2017, com visitação de terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h, e sábado, domingo e feriado, das 11h às 20h. A entrada é gratuita.