Meirelles culpa gasto social por desequilíbrio fiscal, mas omite juros

O ministro da Fazenda Henrique Meirelles repetiu, nesta segunda (21), o mantra falacioso de que a crise é fruto da explosão de gastos primários do governo e o ajuste seletivo de Michel Temer é necessário para salvar o país. Segundo ele, Previdência, assistência social e transferência de renda causaram um aumento expressivo na despesa pública. A realidade mostra, contudo, que a dívida brasileira não é nada do outro mundo e o grande vilão é o gasto com juros da dívida – que Meirelles nem menciona.

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O ministro participou da primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sob a gestão Temer e voltou a defender medidas como a Proposta de Emenda Constitucional 55 (ex-PEC 241) – que limita o crescimento dos gastos primários – e a reforma da Previdência.

“Nenhum governo de 94 para cá reduziu as despesas primárias em relação ao PIB. A porta ficou aberta para a expansão do gasto público. Não há, portanto, evidência de que os projetos de ajuste fiscal tenham funcionado. De 2007 a 2015, o crescimento das despesas primárias do governo central foi de 53%, o triplo da expansão do PIB no período, de 18%. O principal motivo desse crescimento são aumento dos gastos de previdência, assistência social e transferência de renda”, disse.

As despesas primárias são aquelas com saúde, educação, assistência social, segurança, cultura, habitação etc. Como destaca o economista João Sicsú em artigo, excetuando os dois últimos anos (2014 e 2015), desde 2003 os governos fizeram superávit no orçamento primário. Ou seja, sempre gastaram menos do que arrecadaram.

O nó da questão está justamente na parte do orçamento que Meirelles ignora em discursos e medidas que propõe para a economia. Os problemas fiscais do país decorrem do pagamento de juros da dívida pública, que drenam uma verdadeira fortuna dos cofres públicos, devido ao elevado patamar da taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic. Segundo cálculos do economista Paulo Kliass, de 2003 até hoje, o Brasil transferiu ao sistema financeiro o equivalente a R$ 3 trilhões em valores atualizados.

Além disso, a ideia de que o país está quebrado pois a dívida seria enorme está desconectada da realidade mundial, já que mesmo países mais desenvolvidos possuem endividamento substancialmente maior, como é o caso dos Estados Unidos, do Japão, da Zona do Euro e do Canadá.

E, mesmo nos dois últimos anos em que os resultados primários foram deficitários, diversos especialistas apontam causas que não se relacionam às despesas sociais do governo. A maioria cita que o principal peso do desequilíbrio fiscal decorre não dos gastos, mas das receitas. Com a economia em recessão, a arrecadação diminuiu. E, nesse sentido, medidas de ajuste fiscal – mesmo as praticadas durante a gestão Dilma Rousseff – apenas aprofundaram o problema.

Muitos analistas mencionam ainda as exageradas desonerações tributárias concedidas pelo governo, que tiveram impacto sobre as contas públicas e não se converteram em benefícios para a economia.

Na prática, todo o discurso de Meirelles vai no sentido de tentar justificar a transferência dos recursos do orçamento – que deveriam ir para áreas que beneficiam a maioria da população – para poucos rentistas. Ele ataca os gastos sociais, mas cala sobre os juros.

Nesta segunda, o ministro disse que é preciso “otimizar” o uso dos recursos públicos. Contudo se refere apenas às verbas que vão para as políticas públicas. “Que os programas de assistência sejam para aqueles que precisam. É necessário reformar a Previdência e reduzir a rigidez do orçamento, desvincular e desindexar. Muitos gastos estão indexados à receita e isso garante o seu crescimento muitas vezes acima do PIB”, disse, preparando o terreno para retirar direitos trabalhistas e sociais e reduzir o tamanho do Estado.

Meirelles ressaltou que mais de 75% do total das despesas do governo são definidos pela Constituição. O que para ele é um problema, na verdade, são garantias constitucionais, a rede de proteção que a Carta de 1988 estabeleceu como resultado de um pacto social.

“Em 1994, o Plano Real abriu a porta para a estabilização econômica, mas continuou aberta a porta para a expansão dos gastos. A questão aqui é política, há a dificuldade política de se conter a expansão do gasto público”, disse, sem se preocupar em detalhar que se refere apenas a um tipo de gasto – o primário – e pouco interessado em saber se a maioria da população quer reduzir despesas com saúde e educação, por exemplo.

O ministro afirmou que "serão necessárias medidas adicionais" para que o país saia da recessão e disse que aposta no programa de repatriação de recursos de brasileiros no exterior, nas privatizações e nas concessões públicas para aumentar a receita temporária do governo.

“Foco na redução da dívida pública, na redução do papel do Estado e na competitividade", defendeu o ministro, sem explicar ao certo como este tripé fará crescer a economia, mas deixando entender que quem pagará o pato será a população mais carente.