Sicsú: Argumentos contra a PEC 241/55 têm que ter autocrítica do PT

O governo faz dois tipos de gastos. Há os primários, que são os gastos com saúde, educação, assistência social, Previdência etc, e faz também o pagamento de juros referente à dívida pública. Então, primeiramente, devemos avaliar se o governo gasta mais do que arrecada com seus programas e políticas sociais e demais gastos (excetuando o pagamento de juros da dívida pública).

Por João Sicsú*

levy e meirelles - João Paulo Lacerda/CNI

Segundo dados do Banco Central, no período de 2003 a 2013, o governo fez um superávit médio de 3% do PIB no seu orçamento primário. Em outras palavras, o governo, em média, nesse período, sempre gastou menos do que arrecadou.

Podemos dizer, portanto, que cabem dentro do orçamento os benefícios da Previdência Social. Cabem no orçamento o Minha Casa Minha Vida, o Mais Médicos, o Fies, o Prouni, o Ciência Sem Fronteiras, a ampliação da rede federal de educação, os salários do funcionalismo, o Bolsa Família, o seguro-desemprego etc.

No período de 2003 a 2013, o superávit primário foi de 3% do PIB, mas as despesas com o pagamento de juros da dívida pública eram muito elevadas. Representavam, em média, 6% do PIB. Assim, o nosso déficit orçamentário médio foi de 3% do PIB. Explicando: fazíamos uma economia de 3% do PIB nos gastos correntes e investimentos do governo, mas tal economia não era suficiente para pagar a conta de juros, de 6% do PIB.

Temos um problema fiscal a enfrentar. O pagamento de juros não cabe dentro da economia que fazemos com as despesas primárias e, portanto, não cabe no orçamento. Esse é um problema crônico.

Apesar das exageradas despesas com o pagamento de juros da dívida pública, não tivemos problemas fiscais que podem ser considerados graves no período até então analisado (2003-2013). Um déficit orçamentário de 3% do PIB é internacionalmente avaliado como plenamente aceitável.

O pagamento de juros da dívida pública é feito aos credores do Estado, que são banqueiros e rentistas. A quase totalidade dos credores é composta de milionários e bilionários. É a elite financeira, formada inclusive por empresários do setor produtivo. São os ricos do Brasil. Somente no ano de 2015, eles receberam mais de 500 bilhões de reais dos cofres públicos.

Receberam muito mais que o dobro dos orçamentos da Saúde e Educação somados. Esses gastos por parte do governo federal somam cerca de 200 bilhões de reais.

Logo, precisamos equacionar o problema do excessivo montante do pagamento de juros. Se formos capazes de fazer isso, teremos mais recursos para investir socialmente, beneficiando a maioria.

A PEC 241/55 é a consagração dessa arquitetura fiscal-monetária imposta por banqueiros e rentistas que concentra renda e reduz a qualidade dos serviços públicos. Com a PEC em vigor, poderão aumentar a sua parcela dentro orçamento público diminuindo a parcela destinada à maioria da população, ou seja, poderão aumentar a sua parcela sem aumentar ou fazer déficit público. E, assim, podem diminuir ainda mais o risco de carregamento dos títulos da dívida pública que possuem.

Querem tirar mais do Estado brasileiro sem endividá-lo, querem tirar mais subtraindo recursos da saúde, da educação e das demais políticas e programas sociais. A PEC 241/55 é a demonstração que a arquitetura fiscal-monetária está a serviço da transferência de renda dos pobres, dos trabalhadores, dos aposentados e pensionistas, da classe média e do funcionalismo público para banqueiros e rentistas. Essa PEC será concentradora de renda, portanto, e supressora de direitos e de políticas e programas sociais.

Em 2014, tivemos um déficit orçamentário preocupante: 6,05% do PIB. Dobramos o nível do déficit do período 2003-2013. O pagamento de juros continuou no mesmo patamar do período anterior (5,48% do PIB). Mas as receitas caíram de forma extraordinária devido às desonerações fiscais concedidas pelo governo federal e ao pífio crescimento econômico daquele ano (apenas 0,5%).

Devido a essa queda, não conseguimos fazer superávit primário (que foi de – 0,57% do PIB), então, todo o pagamento de juros de quase 6% do PIB se transformou em déficit orçamentário. Atingimos em 2014 um déficit orçamentário preocupante. Contudo, os resultados fiscais de 2014 comprovaram mais uma vez que o problema crônico que temos no orçamento público é a conta de pagamento de juros.

Há muito tempo que existia uma campanha contra a administração fiscal exitosa do período 2003-2013, apesar dos excelentes resultados obtidos. Bastou o déficit de 2014, causado basicamente pelo pagamento de juros da dívida pública e pela queda drástica de receitas, para que a campanha tomasse ares e tons de que o País tinha quebrado.

Não, o País não quebrou. Quem fez o déficit de 2014 saltar foi a queda das receitas conjugada com o problema crônico do pagamento excessivo de juros da dívida pública. Essa é uma constatação numérica, indiscutível. A partir desse momento, entretanto, a grande mídia, analistas econômicos ligados aos rentistas e banqueiros e os milionários e bilionários entraram em campanha aberta contra os direitos e políticas sociais. Os pobres e aqueles que foram socialmente incluídos nos últimos anos passaram a ser o alvo da contabilidade orçamentária interessada de banqueiros e rentistas.

Aproveitaram o mote de 2014, mas sua sanha contra a parcela que os pobres, os trabalhadores, os aposentados e pensionistas, a classe média e o funcionalismo público detêm no orçamento é antiga.

Essa ira tem início nos governos Collor e FHC. Os sucessivos ataques à Previdência Social, à valorização do salário mínimo, ao seguro-desemprego, entre outros, tiveram início nos anos 1990. É um ódio de classe, de ricos contra os pobres. Mas, acima de tudo, o interesse de classe dos ricos é plenamente material, econômico, orçamentário. Então, em 2015, conseguiram avançar sobre o orçamento.

Em 2015, o governo Dilma Rousseff adotou fórmulas inaceitáveis para recompor as contas públicas. Adotou as fórmulas da supressão de direitos e do corte gastos públicos nas áreas sociais. O governo fez em 2015 o que a PEC 241/55 se propõe a fazer por 20 anos.

Iniciamos o ano com duas Medidas Provisórias que restringiam o acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial e aos benefícios previdenciários. Cortamos gastos, em termos reais, nas áreas da saúde e educação e espalhamos a ideia de contingenciamento e contenção de gastos públicos por todos os ministérios. A política de austeridade fiscal foi adotada para que o déficit orçamentário de 2014 não fosse repetido em 2015.

O objetivo era fazer a trajetória de crescimento do déficit público, que alcançou 6,05% do PIB em 2014, ser revertida para um novo caminho em direção ao patamar de 3%, a média do período 2003-2013.

Ocorreu o esperado, no entanto, e que foi previsto por inúmeros aliados e colaboradores do governo: corte de gastos públicos faz mal à economia e à sociedade. O desemprego aumentou, a economia mergulhou numa profunda recessão e a arrecadação de impostos caiu drasticamente.

O resultado foi o aumento do déficit orçamentário para 10,38% do PIB. Cabe ser destacado que a economia não foi derrubada apenas pela política fiscal do governo. Outro fator também contribuiu de forma significativa. Todos os acontecimentos políticos decorrentes da Operação Lava Jato, reforçados e insuflados pela grande mídia que desinformava, conformou um ambiente de crise política que desanimou as expectativas dos agentes econômicos.

Não houve somente arrocho fiscal em 2015. Houve também elevação da taxa de juros Selic: de 11,75% para 14,25% a.a.. Banqueiros e rentistas que abocanhavam em torno de 6% do PIB do orçamento, em 2015, obtiveram 8,5%. E a queda da arrecadação provocou, pela primeira vez, depois anos de governos do PT, um déficit significativo nas contas primárias, que foi de 1,88% do PIB.

A política econômica do ano de 2015 e um conjunto de medidas de anos anteriores, tais como as desonerações a diversos setores econômicos sem o compromisso de contrapartida para a geração de novos empregos ou investimentos, conformaram uma opção que o PT e Dilma têm de fazer autocrítica.

Será essa autocrítica que nos dará autoridade e densidade intelectual e política para fazer oposição integral ao modelo econômico conformado pela PEC 241/55. Essa autocrítica nos coloca no lugar daqueles que fazem oposição à toda e qualquer medida, política ou modelo econômico que possam obstaculizar o desenvolvimento e a construção de um estado de bem-estar social.

*Professor do Instituto de Economia da UFRJ, foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011.