Luciana Santos: governo quer tornar EBC "chapa branca"

Em quase 200 dias de gestão, o presidente ilegítimo Michel Temer (PMDB) deixa claro sua aversão à comunicação pública. Ao editar a Medida Provisória 744/16, promove a desestruturação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), conquista da sociedade. Em entrevista, a presidente nacional do PCdoB, a deputada Luciana Santos (PE) analisa os interesses envolvidos na edição da MP 744/16, que desmonta a EBC.

Luciana Santos - Richard Silva/PCdoB na Câmara

Além de extinguir o Conselho Curador, deve abrir a programação da empresa pública para compra de conteúdo privado. A MP está sendo analisada por comissão especial mista no Parlamento, que reúne senadores e deputados para o debate em torno de proposições. Nesta semana, foi aprovado o plano de trabalho. A proposta está em vigência desde setembro deste ano e expira em fevereiro de 2017, caso não seja ratificada pelo Congresso Nacional.

Por trás de medidas autoritárias está a intenção de eliminar o caráter inclusivo e plural da EBC, tornando-a uma estatal ‘chapa branca’, que mostra apenas o ponto de vista do governo federal. Para a presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE), “essa atitude é da natureza deste governo, que se impôs por meio de um ataque à democracia”.

Em entrevista ao PCdoB na Câmara, a parlamentar afirma que o desmonte do sistema público de comunicação “é uma moeda de troca entre a direita e a grande mídia” para derrubar o projeto da esquerda de emancipação da sociedade.

A seguir, leia os principais trechos:

PCdoB na Câmara – As medidas adotadas por Temer fazem parte de um acordo dos setores conservadores da sociedade?
Luciana Santos – A primeira ação deste governo é cortar todas as possibilidades de exercício da cidadania. Nós sabemos o quanto a comunicação é um direito, é onde surge a informação e o debate de ideias. Como a grande mídia fez parte deste conluio golpista, o desmonte da comunicação pública é logicamente uma contrapartida ao acordo espúrio selado para derrubar a presidenta Dilma Rousseff.

Acabar com a EBC já estava nos planos do atual governo?
Eles simplesmente desconsideraram a legislação que criou a Empresa Brasil de Comunicação. Quando o governo decidiu exonerar o presidente da EBC (Ricardo Melo), eleito por um Conselho, ele desconstruiu todo o conceito de participação da sociedade na empresa. A própria legislação previa mandatos diferenciados dos do governo para evitar influência política, exatamente para dar mais autonomia.

Junto com a exoneração de Ricardo Melo veio a extinção do Conselho da emissora, formado por diversos segmentos da sociedade. Qual o impacto desta decisão?
O Conselho Curador tem a responsabilidade de debater os conteúdos. Na hora em que um presidente da República extingue este instrumento, retira a essência da emissora. Acaba com seu caráter público. Eles querem torná-la uma estatal chapa branca.

O livre acesso à informação de alguma forma assusta quem está no poder?
Eles têm medo da liberdade de expressão. Diferentemente dessa manipulação perversa que existe em parte da imprensa brasileira. Não me surpreende que este governo, sem vínculo nenhum com o povo, esteja atacando a EBC.

Para deixar mais claro, quem são “eles”?
Famílias que tiveram todo o interesse de interromper esse processo de desenvolvimento iniciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esse monopólio da comunicação não existe por acaso. Uma das reformas emergenciais é justamente a da mídia, regulando um setor que é dominado por oligarquias políticas que têm conluio com o sistema financeiro. O resultado é este que estamos vendo. Um monopólio que em nenhum lugar do mundo existe, onde menos de 10 famílias ditam o que é e o que não é informação. Centralizando tudo que você lê, ouve e vê. Nós, do PCdoB, entendemos que só teremos uma democracia plena com a democratização dos meios de comunicação.

Identificados os entraves, atores e soluções, a senhora considera que nossa legislação precisa ser revista?
Na verdade, há um desrespeito à Constituição, que já garante um sistema que contemple iniciativa privada, sistema público e estatal. Quando os constituintes fizeram isso, foi na perspectiva de termos um sistema complementar.

Na sua avaliação, este sistema complementar existe de fato?
Luciana Santos – Muito desigual, exatamente pelo poder financeiro que se sobrepõe ao perfil educativo que deveria nortear as empresas de comunicação. A mídia livre faz um contraponto importante, fundamental. Mas não tem comparação com a televisão, por exemplo, que chega a mais de 90% da população. Por mais que você tenha veículos alternativos, a diferença é abissal. Por isso, a necessidade de combater o monopólio e dar condições reais de disputa da narrativa.

Até que ponto esta hegemonia da televisão influencia na formação política da sociedade?
Vamos a outro exemplo. O discurso do quanto pior melhor das últimas eleições foi avassalador, um massacre. O nível de abstenção foi nessa esteira. Aliás, faz 11 anos que, todos os dias no Brasil, os grandes meios de comunicação dizem que o país quebrou com a esquerda. O problema deles está na discordância com o projeto político. É preciso que a população compreenda essa manipulação. A tentativa de criminalizar a política está clara. Tanto é que diversas lideranças de outras legendas estão envolvidas em desvios, mas contam com o silêncio dos jornais e da televisão que, em muitas situações, são deles. Sai denúncia, delação, e não acontece nada com a direita brasileira.

E como desatar esse nó?
A saída política se dá pela resistência consciente, no Parlamento, nas ruas e nas redes. Qualquer alternativa que exclua a sociedade do processo não pode ser sequer pensada.