Pesquisadores repudiam censura técnica do presidente do Ipea
Aliado do presidente ilegítimo Michel Temer e defensor da proposta que congela investimentos públicos por 20 anos, o presidente do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), economista Ernesto Lozardo, personaliza a figura do profissional que coloca suas opções políticas acima das questões técnicas. Por essa posição política, ele entrou em rota de colisão com profissionais subordinados a ele no instituto, ao promover uma espécie de censura técnica.
Publicado 19/12/2016 11:23
Na quinta-feira (15), a Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea) divulgou nota contrapondo declarações de Lozardo ao jornal Valor, na segunda-feira (12). Na entrevista, o presidente do Ipea reafirmou posição contrária – já manifestada em setembro por meio de texto assinado por ele – a um trabalho realizado por técnicos do instituto apontando prejuízos da PEC 241/55 à saúde pública.
Em setembro, o presidente publicou um documento oficial criticando a Nota Técnica Ipea nº 28, intitulada “Os impactos do Novo Regime Fiscal para o financiamento do sistema único de saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil”.
Ao ser questionado pelos repórteres do jornal Valor se suas críticas aos pesquisadores não poderiam soar como uma falta de autonomia do órgão frente ao governo, Louzardo intensificou o bombardeio.
“Se o texto tem consistência científica, publica-se. O que não pode são textos mal escritos, inconsistentes, irem para a imprensa. Essa casa é um instituto de pesquisa. Não é uma baderna de pesquisa. O que não pode fazer é comprometer o instituto. Se alguém quiser publicar alguma coisa com seu próprio nome, publica onde quiser. Mas dá seu nome e escreve que a opinião não necessariamente coincide com a do Ipea”, atacou.
A associação rebateu o presidente, mostrando a verdadeira missão do instituto frente a temas tão relevantes quanto o congelamento de recursos por 20 anos. “A prática de desqualificar estudos e recriminar pesquisadores representa um ataque ao Ipea e ao seu corpo técnico, além de comprometer o futuro da instituição. Esses constrangimentos são incompatíveis com a missão institucional do Ipea que é promover debates sobre temas relevantes da pauta econômica e social atual, como é o caso da reforma proposta no âmbito da Previdência Social (PEC nº 287/2016), ou de temas complexos como política de Segurança Pública, regras fiscais, regras de concessões, entre outras”.
Ofensa ao Estado Democrático de Direito
O deputado Adelmo Leão (PT-MG) avaliou que qualquer pessoa investida de um cargo público, de qualquer órgão que seja, tem que seguir uma postura dentro das regras do Estado democrático de direito. Para o parlamentar, colocar-se contra um estudo que seguiu normas científicas é assumir uma postura política ofensiva às regras democráticas.
“Os técnicos apresentaram dados, mostraram os prejuízos da PEC por meio de cálculos matemáticos muito fáceis de serem entendidos. Negar o procedimento técnico e ofender a matemática representam nesse contexto uma ofensa ao Estado de direito, provando mais uma vez que a estrutura que tomou conta do governo é uma estrutura golpista”, analisou Adelmo Leão.
A associação que representa os pesquisadores também mostrou que a nota sobre a PEC 55 seguiu todos os critérios de tecnicidade exigidos pelo Ipea, chegando até a excedê-los. “A nota foi produzida em total conformidade com os procedimentos habituais da casa, percorrendo ainda processo de validação mais rigoroso do que o ordinariamente praticado para publicação de notas técnicas”.
Meia volta, volver
Na verdade, ao promover uma verdadeira retaliação a pesquisadores do instituto, Lozardo está colocando o órgão a mercê de uma visão política e a serviço de um projeto de governo que chegou ao poder de forma ilegítima. O presidente do Ipea é um confesso entusiasta das ideias do atual governo, que, segundo ele, pretende fazer uma “meia volta, volver”, redirecionando a economia ao mercado, “com pouca interferência do governo no processo de crescimento”. Em suma, é a velha receita neoliberal de reduzir a participação do Estado como indutor do crescimento.
Para a tristeza de quem sempre rezou nessa cartilha, a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – grande incentivadora do postulado neoliberal – foi quem deu “meia volta” nesse receituário e passou a recomendar justamente o contrário: nada de austeridade fiscal.
A orientação agora é para que as economias sejam estimuladas a gastar mais e a assumir mais dívidas, mesmo onde o peso da dívida já é elevado em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). A informação foi divulgada pelo jornal britânico The Independent.
Segundo a economista-chefe da instituição, Catherine Mann, iniciativas fiscais que representam mais gastos do governo podem incentivar a atividade econômica privada, o que elevaria a taxa de crescimento global. Ou seja, o governo Temer e o presidente do Ipea – com suas visões de austeridade fiscal e redução do investimento público – estão indo na contramão até mesmo da OCDE, que há poucos anos chamou para si a responsabilidade de encorajar uma postura de austeridade.