Luciano Siqueira: O que é falso se dissolve no ar 

Sinceridade é indispensável em tudo – na vida e na política, sobretudo – embora aí nem sempre aconteça. A palavra e o gesto, mais do que artifícios de marketing, dão conta da credibilidade do político. Do governante, então, alvo da atenção e da cobrança diárias, talvez mais ainda. 

Luciano Siqueira: O que é falso se dissolve no ar - Divulgação

Tenha o detentor de mandato a coragem de enfrentar a crítica e até o combate frontal, duro, sectário, mas não minta. Nem tergiverse. Nem faça pirotecnia. Arrisque a incompreensão, mas não se apequene em gestos artificiosos, que soam a demagogia.

Em 2008, quando cogitado para a disputa da prefeitura do Recife, a imprensa queria porque queria saber exatamente a hora em que eu subiria o Morro da Conceição, no dia da Santa.

– Já fui muitas vezes ao Morro, nunca no Dia de Nossa da Conceição, esclareci. Agora que sou pré-candidato a prefeito não me cabe o gesto, seria artificial.

– Mas o senhor vai perder visibilidade e votos, insistia uma jovem repórter.

Perderia se me incorporasse à romaria, em atitude meramente eleitoreira. Preferi respeitar a religiosidade do povo e manter minha conduta contumaz.

Vejo agora nos jornais que prefeitos recém-empossados se desdobram em gestos “de impactos” destinados a passarem uma impressão de que são honestos e trabalhadores (sic).

Teve prefeito que foi à posse de ônibus ou de bicicleta. O de São Paulo se vestiu de gari e se juntou aos trabalhadores encarregados da limpeza das ruas. Mais de um almoçou em restaurante popular. E assim por diante.

Já houve prefeito, tempos atrás, que arrancou a porta do gabinete para sinalizar que a partir de então o povo teria acesso livre e imediato.

Que esses gestos correspondam à realidade, tudo bem. Mas não creio que os que foram à posse de ônibus ou de bicicleta farão o mesmo para trabalhar diariamente; nem que o tucano paulista voltará regularmente às ruas de vassoura em punho e macacão da limpeza urbana; nem os que foram ao restaurante popular repetirão o gesto costumeiramente, assim como o que aboliu a porta do gabinete na verdade passou a despachar noutra dependência da prefeitura!

Credibilidade e empatia com a população há de ser fruto de atitudes responsáveis, consequentes e sinceras, praticadas continuadamente e em sintonia com o perfil, o discurso e a prática do político.

Arraes quase não sorria, entretanto estabeleceu uma liga extraordinária com o povo, que o acompanhou até a morte. Isto pelas políticas públicas que desenvolveu, sempre atentas aos interesses fundamentais da população. A empatia veio como corolário.

Já Collor explodiu em popularidade ao se apresentar como "caçador de marajás", mas depois desceu à vala comum e hoje não passa de um bisonho senador da República, muito longe da admiração e do afeto das multidões.

Também na relação do governante (e de líderes políticos em geral) com o povo, a prática é o critério de verdade. O que é falso se dissolve com o tempo.