Redução do BNDES preocupa e torna mais difícil retomar crescimento

Dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgados na última terça (31) mostram uma redução de 35% no volume de crédito concedido pela instituição em 2016. Para o economista Guilherme Delgado, o encolhimento do principal banco de desenvolvimento do país é “preocupante” e torna “ainda mais difícil” a retomada do crescimento econômico. “A realidade da recessão não se acabou e vai se aprofundar com esse tipo de austericídio”, avalia.

Guilherme Delgado

Segundo as informações do BNDES, em 2015, a instituição de fomento havia desembolsado quase R$136 bilhões para projetos de investimento. No ano passado, o valor caiu para apenas R$ 88,3 bilhões, menor valor desde 2007, quando o montante foi de R$ 64,9 bilhões. Em 2016, foi a primeira vez, desde 2008, que os desembolsos foram inferiores a R$ 100 bilhões.

De acordo com Guilherme Delgado, os números confirmam uma tendência já explicitada pelo governo Michel Temer, que é retirar do BNDES o papel de financiador de longo prazo. Ele lembra que os valores que o Tesouro repassava ao banco, para viabilizar os empréstimos, começaram a sofrer cortes desde a gestão do ministro Joaquim Levy.

Delgado destaca, contudo, que o processo foi aprofundado na atual gestão. Assim que assumiu, ainda como interino, Michel Temer anunciou a devolução antecipada, pelo BNDES, de R$ 100 bilhões em recursos repassados pelo Tesouro Nacional nos últimos anos.

“Eles impuseram uma regra de devolução antecipada – aí sim uma verdadeira ‘pedalada’ – do funding do BNDES com dinheiro do Tesouro, que é algo que só deveria ser devolvido quando maturam os empréstimos”, lembra o economista, apontando a tentativa de esvaziar o papel do banco.

"Todos esses constrangimentos eram para retirar o BNDES da condição de financiador de longo prazo. Os dados que foram apresentados esta semana já são o resultado disso”, avalia.

Com o recente encolhimento, o BNDES regrediu ao menor fluxo de financiamentos dos últimos 20 anos. “E há um decrescimento forte da provisão de novos financiamentos, em um momento em que a economia está paralisada”, condena o economista.

A redução do papel do BNDES – em nível nunca visto – gera preocupações sobre o financiamento de projetos que poderiam ajudar na retomada do crescimento do país nos próximos anos. Sem a participação do banco de fomento, o dinheiro teria que vir de bancos privados e de investidores, um caminho pouco viável.

“Capital de longo prazo não está disponível na praça. Então sai um agente financiador do porte do BNDES e você fica sem nada. Porque, por mais que você tenha capitais vultosos na praça, no mercado, em geral, o raio de fôlego desses capitais é de prazo rápido, prazos pequenos, para imobilizações por um ano, dois. Não tem uma banca internacional segura e disponível para oferecer capital a 10, 15, 20 anos de prazo final de amortização”, defende Delgado.

Nesse sentido, o economista avalia que não “tem futuro esse tipo de aposta”. “O resultado é o pior possível”, diz, tecendo críticas ao desmantelamento do banco. “Já tínhamos uma engenharia financeira institucional montada, funcionando – que você podia até melhorar aqui e acolá. Mas simplesmente cortar essa via, sem apresentar nenhum substituto, nenhum sucedâneo?" 

De acordo com ele, além de não terem tradição no financiamento de médio e longo prazo, bancos privados – como Itaú, Bradesco e Santander – “estão encalacrados de dívidas das empresas de infraestrutura, comerciais, industriais, e não têm capacidade de expandir em nada seus financiamentos”.

“Num momento de recessão e de crise de crédito, em que seria necessária a existência de um agente que pudesse ser indutor da economia, o recuo nos desembolsos do BNDES é “preocupante.”

Delgado ressalta que mesmo para “destravar a pauta de concessões na área de infraestrutura”, algo que o atual governo muito menciona, seria importante ter o banco de desenvolvimento mais ativo. “Mas o Brasil simplesmente resolveu cortar sua instituição-mór, que é o sistema BNDES, que não é só um banco, e estamos colhendo esses resultados.”

Para ele, sem o BNDES, fica muito mais difícil a retomada do crescimento. “Porque você não retoma desenvolvimento sem investimentos. E investimento de longa maturação requer aporte de capital de terceiros, parceiros e crédito. Não pense que o papel do financiamento é prescindível, pelo contrário. Não existem instituições com essa capacidade técnica e financeira para imobilizar bilhões e bilhões de reais ou dólares por 10, 15, 20 anos. Isso não é normal na órbita financeira atual, que é curtoprazista. Quem tem um sistema financeiro montado para isso tenta melhorá-lo, aperfeiçoá-lo, mas nunca extingui-lo ou dar esse tipo de corte que vemos agora”, reitera.

Mediocridade

O caso do encolhimento do BNDES ocorre num cenário de ataque aos bancos públicos de forma generalizada. Além da instituição de fomento, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil – que tiveram papel fundamental no investimento, sobretudo de longo prazo, durante os governo petistas de Lula e Dilma Rousseff – também têm sido alvo da gestão Michel Temer, que trata de eliminar a capacidade dessas instituições de fazerem políticas anticíclicas.

De acordo com Guilherme Delgado, para além de uma visão ideológica sobre a atuação do Estado na economia, a investida contra os bancos expressa o que ele chama de “mediocridade” da equipe econômica do atual governo.

“Estamos em um momento em que a banca privada brasileira ou com representações no Brasil está vivendo uma fase de superendividamento . Então não adianta ter essa visão mágica de que vai abrir espaço para o mercado privado, porque o mercado privado é esse que está aí. Então hoje acho que há mais mediocridade do que orientação ideológica”, dispara.

Segundo ele, os bancos públicos nunca tiveram o papel de criar uma economia alternativa, pelo contrário, sempre atuaram para promover a expansão capitalista. “Agora temos uma orientação que me parece mais de um retrocesso ao crédito bancário, mas para abrir espaço não se sabe para quê”, constata.

Segundo ele, o governo tem minado o crédito a projetos e programas que são impescindíveis à retomada do crescimento, como é o caso dos cortes sofridos nos financiamentos da Caixa a programas habitacionais e, no Banco do Brasil, ao crédito rural.

“Toda a recuperação econômica vai depender do aporte desses recursos, do crédito habitacional, do reativamento da construção civil, da infraestrutura e, para isso, os bancos públicos cumprem ou deveriam cumprir papel importante. Os privados só vão atrás quando tem iniciativa desencadeada nesse campo”, diz.

“Mas, numa economia que já está fortemente estagnada, você não tem nenhuma sinalização de que as instituições de crédito privado possam ser utilizadas no sentido do financiamento de longo e médio prazo. E tampouco o mercado, que é este que está aí. Não tem jeito, não há uma magia”, completa.

Meirelles: mais fé que economia

O economista ironiza o discurso do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para quem os cortes de despesas sociais serão capazes de colocar a economia nos trilhos – algo que todos os indicadores contestam.

“A tese do ministro é de natureza teológica, não é econômica. Ele sempre fala que, depois de concluir o ajuste estrutural, com a PEC 55, a reforma da Previdência, isso vai despertar a confiança no espírito animal dos empresários. Espírito animal é uma expressão que Keynes usava para mostrar que existia uma dinâmica empreendedora no mundo capitalista. E confiança é ter fé. Eu vejo uma teologia idolátrica aí. O ídolo mercantil seria despertado quando todas as despesas sociais fossem erradicadas e, aí, emergiria das cinzas uma espécie de fênix empreendedora”, afirma.

Para Delgado, contudo, medidas concretas para puxar o crescimento não se delinearam, até então, no horizonte deste governo. “A não ser essa visão dessa teologia bastante rasteira, uma fé nesse tipo coisa, não vejo nada sendo proposto pelo governo para retomar o crescimento.”

Na sua avaliação, iniciativas anunciadas como a panaceia, a exemplo da liberação de recursos de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), não têm o poder de melhorar a situação do país. “São muito pequenos os recursos.”

“Temos um grau de endividamento forte de consumidores e empresas e, nesse momento, precisaria ter um agente financiador que assuma alguns riscos, para tirar a situação do impasse em que se encontra. Nem ações como essa do FGTS, nem essa teologia idolátrica na confiança nos mercados vai resolver”, afirmou.

O governo fala em reativar o setor da construção civil, mas, para Delgado, isso dependeria de retomar justamente os programas de infraestrutura. “O próprio mercado não vai, de modo próprio, reativar a construção civil. É da tradição brasileira, ele não vai, sem ter um ente que alavanque. E essa coisa de [o Estado] partir na frente, ter capacidade de investir, está tudo proibido pela PEC 55 e pela política com relação aos bancos públicos”, condena.

Diante desse cenário, ele é pessimista. “Gostaria de ter outro diagnóstico, mas não consigo ver de onde vai vir o programa de crescimento do governo Temer. Uma vez concluída a PEC 55 e uma [eventual] reforma da Previdência, o que acontece com a situação da economia? Nada”, encerra, prevendo o aprofundamento da recessão.