Publicado 20/02/2017 16:13

Leia na íntegra o ensaio:
Darcy Ribeiro nasceu em Minas (1922), no centro do Brasil. Formou-se em Antropologia em São Paulo (1946) e dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia. Neste período fundou o Museu do Índio e criou o Parque Indígena do Xingu. Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena.
Nos anos seguintes (1955) dedicou-se à educação primária e superior. Criou a Universidade de Brasília e foi Ministro da Educação. Mais tarde foi Ministro-Chefe da Casa Civil e coordenava a implantação das reformas estruturais, quando sucedeu o golpe militar de 64, que o lançou no exílio.
Viveu em vários países da América Latina onde, conduzindo programas de reforma universitária, com base nas idéias que defende em A universidade necessária. Foi assessor do presidente Salvador Allende, do Chile, e Velasco Alvarado, do Peru. Escreveu neste período os cinco volumes de seus Estudos de Antropologia da Civilização (O processo civilizatório, As Américas e a Civilização, O dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil, e Os índios e a Civilização), que têm 96 edições em diversas línguas. Neles propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos.
Ainda no exílio, começou a escrever os romances Maíra e O mulo, e já no Brasil escreveu dois outros: Utopia selvagem e Migo. Publicou Aos trancos e barrancos, que é um balanço crítico da história brasileira de 1900 a 1980. Publicou também uma coletânea de ensaios insólitos: (Sobre o óbvio), e um balanço de sua vida intelectual: Testemunho. Edita juntamente com Berta G. Ribeiro a Suma Teológica brasileira. Seu último livro, publicado pela Biblioteca Ayacucho, em espanhol, e pela Editora Vozes, em Português, é A fundação do Brasil, um compêncio de textos históricos dos séculos 16 e 17, comentados por Carlos Moreira, e precedidos de um longo ensaio analítico sobre os primórdios do Brasil.
Retornando ao Brasil em 1976, voltou a dedicar-se à educação e à política. Elegeu-se vice-governador do estado do Rio de Janeiro, foi secretário da Cultura e Coordenador do Programa de Educação, com o encargo de implantar 500 CIEPs que são grandes escolas de turno completo para 1000 crianças e adolescentes. Criou, então, a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvin, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema. E o Sambódromo, em que colocou 200 salas de aula para fazê-lo funcionar também como uma enorme escola primária.
Elegeu-se senador da República, função que exerce defendendo vários projetos, entre eles, uma lei de trânsito para defender os pedestres contra a selvageria dos motoristas; uma lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos; uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças. Combate energicamente no Congresso para que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação seja mais democrática e mais eficaz. Publica pelo Senado a revista Carta, onde os principais problemas do Brasil e do mundo são analisados e discutidos. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.
Conta entre suas façanhas maiores haver contribuído para o tombamento de 98 quilômetros de belíssimas praias e encostas, além de mais de mil casas do Rio antigo. Colaborou na criação do Memorial da América Latina, edificado em São Paulo com projeto de Oscar Niemeyer. Gravou um disco na série mexicana "Vozes da América". E mereceu títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbonne e das Universidades de Montevidéu, Copenhague e da Venezuela Central.
Estudos de Antropologia da Civilização
Com livro O Processo Civilizatório, publicado em 1972, Darcy Ribeiro trouxe para o âmbito de nossas discussões, os grandes problemas da evolução das sociedades humanas. Ele dá início aos estudos sobre antropologia das civilizações. Sua motivação é de tornar compreensível a formação dos povos americanos. Com argumentos novos e críticos busca compor um esquema coerente e lógico da história da humanidade. Segundo Darcy, esta tarefa foi requisito prévio indispensável ao estudo da formação dos povos americanos.
Ele analisa o surgimento das formações sócio-culturais que se impuseram desde 10.000 anos, com o objetivo de entender as causas do desenvolvimento sócio-econômico desigual e quais as perspectivas para os povos ditos atrasados.
Segundo Darcy, tornava-se necessário a formulação de um esquema das etapas evolutivas para, assim, ser possível uma tipologia para poder classificar os diversos agrupamentos que se uniram para formar as sociedades nacionais americanas de hoje. Pergunta-nos:
Nesta perspectiva, Darcy Ribeiro surge ganhando uma projeção mundial, atuando intensamente nas discussões dos grandes problemas da evolução da humanidade.
Como vimos, em sua teoria evolucionista, Darcy busca compor um discurso que nos explique e nos ajude a perceber para onde estamos caminhando, que futuro podemos ter. Uma coisa ele deixa claro: não somos iguais; nisto parece comungar com o idéia de Simón Bolívar de que, nós, latino-americanos, constituímos um pequeno gênero humano.
Posterior ao seu trabalho O Processo Civilizatório, Darcy Ribeiro escreveu As Américas e a civilização, publicado primeiro na Espanha em 1969, pois Darcy, neste período, se encontrava no exílio.
Tentar descrever a significação desta obra na verdade nos parece uma missão nada simples. Com o objetivo central de classificação dos povos americanos ele realiza um trabalho de proporções inigualáveis. Justifica:
Encontramos aqui uma investigação combatente, questionadora dos fatores culturais, sociais e econômicos que precederam a formação das etnias nacionais americanas. Com este estudo Darcy Ribeiro buscava compreender o motivo do atraso das sociedades americanas; ele está convencido de que as teorias da história não nos explicam. Analisa ainda, as causas do desenvolvimento desigual das sociedades americanas. Dirá:
Outro ponto importante são as profundas diferenças que existiam entre os povos. Segundo Darcy não só são decorrentes das matrizes culturais predominantemente latina e católica, num caso, anglo-saxônica e protestante, no outro, como também decorrem do grau de desenvolvimento sócio-econômico.
Darcy segue mostrando os fatores de diferenciação consequentes do processo de formação étnico-nacional dos Povos-Transplantados. Dirá:
O terceiro volume dos Estudos de Antropologia da Civilização, O dilema latino-americano, é um estudo sobre as diferentes situações entre as Américas. Darcy focaliza os contrastes existentes entre as Américas, ou seja, a convivência da riqueza e da pobreza. Neste sentido ele propõe novas tipologias para as classes sociais e para as estruturas de poder na América Latina.
Segundo Darcy:
Outro livro dos estudos Os índios e a civilização publicado em 1970, segundo Darcy Ribeiro, foi o resultado dos dados colhidos durante os dez anos em que passou no convívio com os índios nas diversas aldeias em que viveu. Para Darcy foi importante a troca de experiências com indigenistas, etnólogos e também com missionários. Outra ajuda de grande importância foi o acesso aos arquivos valiosos do Serviço de Proteção aos Índios, órgão no qual trabalhou como etnólogo.
No prefácio da obra explica:
Darcy define claramente a temática e os objetivos deste livro. Segundo ele é um estudo do processo de transfiguração étnica. Numa perspectiva crítica busca interpretar as pesquisas de forma sempre elevadas reconstituindo assim, os dados da experiência brasileira.
Após uma visão geral da situação das populações indígenas no final do século 19 e início do século 20, ele passa a refletir criticamente os ingentes esforços para atender os povos desprotegidos da América Latina. Daí passa a focalizar globalmente o que chama "o processo de transfiguração étnica". De maneira nova e original reconstitui a história natural das relações dos índios e os civilizados.
Com este livro, os "Estudos de Antropologia da Civilização", um conjunto de quase 2 mil páginas, Darcy Ribeiro encerra os escritos "preliminares" de seu grande projeto: tornar o Brasil explicável. Responder a pergunta: Por que o Brasil não deu certo?. Temos assim, um conjunto dos fundamentos teóricos que tornaram possível, o que segundo ele, foi o desafio maior que já se propôs, o livro: O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil.
O Povo Brasileiro
Entender o sentido do que hoje somos mais que simples desafio parece se constituir num longo e minucioso trabalho. A reflexão sobre nossa formação nos envia às nossas origens, à história que como brasileiros fomos construindo. A realidade com a qual nos deparamos traz reflexões e pontos de vista oriundos de outros contextos que, para a nossa formação histórica, não são suficientes para nos explicar como povo.
Dentro desse desafio de nos tornar explicáveis Darcy Ribeiro propõe um conjunto teórico a partir da nossa contexto histórico. Ribeiro reune um conjunto de pesquisas que culminam em uma teoria do Brasil até então inédita. Subjacente à descrição desta teoria, está sua preocupação em entender por que caminhos passamos que nos levaram a distâncias sociais tão profundas no processo de formação nacional.
Retomando nossa história, Darcy começa a descrever como foi acontecendo a gestação do Brasil e dos brasileiros como povo. Nessa reconstituição ele enfatiza a confluência, ou seja, fala da união ocorrida entre portugueses, índios e negros, matrizes étnicas do brasileiro.
Um povo novo que, no dizer de Darcy, se enfrentam e se fundem, fazendo surgir, "num novo modelo de estruturação societária". Para ele, essa mestiçagem fez nascer um novo gênero humano. Nova gente, mestiça na carne e no espírito.
Segundo Darcy essa gente fez-se diferente:
Com pequena exceção a grupos que sobrevivem de maneira isolada, que mantendo seus costumes, mas que, segundo Darcy, não podem afetar a macroetnia em que se encontram.
Dessa unidade étnica básica, ele não quer propor uma uniformidade entre os brasileiros, ele esclarece está questão distinguindo três forças diversificadoras: a ecológica, a econômica e a imigração. Estas formam os fatores que tornaram presente os diferentes modos de ser dos brasileiros, espalhados nas diversas regiões do território brasileiro.
Comenta:
Ressalta que este mesmo processo ocorreu consolidar os antagonismos sociais de caráter traumático. Diz:
Para Darcy formamos a maior presença neo-latina no mundo. Somos uma "nova Roma". Segundo ele, melhor, porque racialmente lavada em sangue índio, em sangue negro. Esta nossa singularidade nos condena a nos inventarmos a nós mesmos e desafiados a construir uma sociedade inspirada na propensão indígena para o convívio cordial e para a reciprocidade e a alegria saudável do negro extremamente alterativo.
Será nesta perspectiva que nas linhas a seguir buscaremos esboçar, segundo os termos de Darcy Ribeiro, as principais articulações de como os brasileiros se vieram fazendo a si mesmos chegando a ser o que hoje somos.