Publicado 09/03/2017 14:56
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente da República, Michel Temer, continuam dando declarações divorciadas da realidade, avaliam economistas. Ao declarar, nesta terça-feira (7), que o PIB de – 3,6% em 2016, divulgado ontem pelo IBGE, “se refere ao ano passado, (e portanto) é espelho retrovisor”, Meirelles faz uma afirmação que “só tem sentido como defesa da política destruidora do emprego que eles efetuaram, mas não tem relação com a realidade”, na opinião de Jorge Mattoso, professor aposentado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente da Caixa Econômica Federal.
“O que estou vendo é um país que reduziu sua renda per capita em mais de 9% nos últimos dois anos. Isso é inédito na história brasileira”, diz Laura Carvalho, professora de Economia da Universidade de São Paulo (USP).
Estimativas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) já demonstravam a enorme retração da renda per capita ainda no ano passado, baseando-se na projeção de queda do Produto Interno Bruto de 3,5%, praticamente a mesma que se registrou oficialmente.
“Quando se chega num patamar tão baixo, é de se esperar que a economia não continue despencando como no último trimestre de 2016, depois de seis meses de governo Temer. Mas, para que a gente retorne aos níveis de 2013 e 2014, seria necessária uma agenda de crescimento que está completamente fora da pauta de discussão”, avalia Laura.
“Mesmo com previsões otimistas, de crescimento de 2%, 3% ao ano, que o próprio governo está colocando, a gente demoraria até 2024 para retornar àquele patamar", acrescenta a professora. "O governo parece satisfeito com uma situação que será no máximo de estagnação. A gente pode até ter chegado no fundo do poço, mas isso não quer dizer que haja qualquer recuperação em vista."
Em sua página no Facebook, o professor Pedro Rossi, da Unicamp, observou que “desde 1930 não há dois anos consecutivos de crescimento negativo do PIB”. “Antes de 2020, dificilmente se retoma o patamar de 2014.”
A situação pode ser definida como “trágica”, na opinião da economista da USP, mesmo na comparação com outros grandes países que passaram por crises recentemente. Em 2015, por exemplo, a Rússia atravessava grave recessão, motivada por fatores como a queda dos preços do petróleo e principalmente devido a sanções econômicas de diversos países por causa dos conflitos na Ucrânia, lembra Laura. “Mesmo a Rússia já voltou a crescer e a recessão já se encerrou. O que aconteceu no Brasil em 2015, ainda com Dilma, e 2016 é reflexo de um modelo de ajuste que só está sendo aprofundado pelo governo Temer e aprofunda nossa recessão e nosso desemprego.”
Mattoso lembra as estimativas relativamente consensuais segundo as quais, para o emprego voltar a crescer “em níveis que permitam a redução do desemprego”, é necessário um crescimento de 2,5% a 3,5%. “Com taxa de crescimento de zero, 0,5%, 1%, que eles vão dizer que é uma ‘maravilha’, não haverá nenhuma redução do desemprego.”
Quem vai investir?
Ontem, em reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), a principal propaganda do governo para vender a ideia de que o país está no caminho do crescimento, Temer disse que os próximos projetos vão fomentar investimentos de R$ 45 bilhões nas áreas de energia, transportes e saneamento. “O que mais almejamos é exatamente o combate ao desemprego no país”, afirmou.
O presidente só não disse que nem os investidores brasileiros, nem estrangeiros, estão investindo ou sequer demonstrando interesse em investir. Desde que o governo anunciou, em setembro de 2016, o primeiro lote de concessões pelo PPI, com 35 projetos, foram assinados apenas três contratos e lançados sete editais.
Se tivesse a intenção de promover o crescimento, o governo precisaria superar suas limitações fiscais – a partir da tributação maior dos que têm rendimentos altos e quase não pagam impostos no Brasil – e promover um programa de investimentos públicos do Estado, que poderia “redinamizar a economia”. “Sem isso, não há qualquer perspectiva de retomada”, diz Laura Carvalho.
“A realidade mostra que não há interesse em investir. As empresas estão com capacidade ociosa extraordinária, e, portanto, não querem investir. Investimento de origem estrangeira também não tem vindo ao país, dada a situação de risco e de instabilidade política na qual vivemos”, avalia Mattoso.
Em janeiro, a própria Confederação Nacional da Indústria (CNI) informou que o nível de utilização da capacidade instalada da indústria brasileira terminou o ano de 2016 em 76%, o mais baixo desde 2003. Ontem, após divulgar a pesquisa Indicadores Industriais, a entidade afirmou que “o início de 2017 para a indústria de transformação foi marcado pela manutenção das dificuldades observadas em 2016". Acrescentou que “os dados indicam que ainda não há sinais claros de recuperação da atividade industrial”.
Para Laura Carvalho, é “pouco realista” a aposta de que vai haver interesse em investir em meio a uma recessão, ao endividamento das empresas, e numa conjuntura internacional tampouco favorável. “Principalmente em um país com um grau de instabilidade que assusta investidores, agravado com o processo de impeachment, as repercussões da Lava Jato e o sistema político em caos.”
Se aos investidores estrangeiros não interessa investir, o que se dirá das empresas de infraestrutura brasileiras, destruídas pela Operação Lava Jato? “Do que sobrou, é dificílimo”, acredita a professora. “E, nos Estados Unidos, Donald Trump está fazendo programa similar também, com incentivos diversos para um programa de investimentos em infraestrutura por parceria com o setor privado. Então me pergunto se as empresas ou os investidores estrangeiros vão querer vir para cá, nesse contexto.”