Moro liberta condenados a 100 anos, mas mantém Dirceu sentenciado a 11

O ex-ministro José Dirceu criticou a conduta do juiz Sérgio Moro, responsável pelos processo da Lava Jato em primeira instância, que o mantém preso desde agosto de 2015. Para o ex-ministro, Moro desrespeita a Constituição e contraria o entendimento dos tribunais superiores ao prorrogar indefinidamente sua prisão preventiva.

Por Dayane Santos

Zé Dirceu sai para trabalhar - Reprodução

"A questão central é que não há base legal para a manutenção da minha prisão preventiva, a não ser para comprovar o ditado de que “os fins justificam os meios”, mesmo violando a Constituição. Por saber da fragilidade de suas razões — a única “prova” que Moro tem contra mim é a palavra dos delatores Milton Pascovich e Julio Delgado —, o juiz apela para pré-julgamentos e acusações genéricas de olho na opinião pública, como instrumento de pressão sobre o STF", afirma Dirceu em carta publicada pelo blog Nocaute, do escritor Fernando Morais.

Os argumentos de Dirceu ganham força diante do fato de que doleiros, empresários e diretores que firmaram acordos de colaboração premiada com a Justiça no âmbito da Operação Lava Jato desfrutam da liberdade e ainda sem perder o seu patrimônio acumulado em esquemas de corrupção, além de reduzir as penas, mesmo sendo condenados a mais de uma centena de anos de prisão.

É o caso do doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros delatores da Lava Jato, que teve a sua pena reduzida superior aos dois terços previstos em lei. Condenado em mais de um processo a 121 anos de prisão, garantiu acordo com cumprimento de no máximo três anos em regime fechado. Um verdadeiro prêmio, já que ele cumpriu dois anos e oito meses de prisão e migrou para o regime fechado domiciliar.

Outro que desfruta da liberdade é o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Foi condenado por Moro em sete ações penais a um total de 128 anos de prisão, mas desde 2016 cumpre pena em regime aberto sem tornozeleira eletrônica. ficou apenas cinco meses preso.

Vale ressaltar que, com base na legislação penal, ao estabelecer penas máximas o juiz demonstra que o réu é autor de uma série da agravantes e aquele que liderou os demais recebe uma pena mais elevada que os outros. De acordo com Código Penal, o juiz deve levar em conta uma série de fatores para diferenciar as penas de cada um, conforme suas características pessoais, como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime.

José Dirceu, no entanto, foi condenado por Moro a 11 anos e três meses de prisão – bem menos que os mais de 100 anos das sentenças de Youssef e Costa -, mas é mantido em regime fechado há um ano de nove meses.

"Estou preso há vinte meses, embora condenado em Primeira Instância. Logo, com direito a responder em liberdade, até pela decisão do STF de trânsito em julgado em Segunda Instância para execução da pena… Moro não cita, mas ele renova minha prisão de 27/7/15, executada em 3/8/15, quando da minha condenação em 19/5/16, pelas mesmas razões e motivos, no processo Engevix-Petrobras, em que me condenou a vinte anos e dez meses. Diz que a referida prisão cautelar é instrumental para aquela ação penal!", enfatiza Dirceu.

Na carta, Dirceu relata a batalha de ações que tem enfrentado para barrar o abuso de autoridade do juiz. Segundo ele, Moro, argumenta em suas decisões que o pedido de Habeas Corpus (HC) encaminhado pela defesa de Dirceu foi rejeitado e mantida a prisão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

"No STJ, diz que o ministro Teori indeferiu o pedido de liminar, mas, como sabemos, não entrou no mérito. Nós agravamos, e o ministro Fachin, substituto de Teori, negou o HC considerando ter havido supressão de instâncias, o que nos levou a agravar na Segunda Turma. Assim, meu pedido de liberdade, no HC, ainda será votado", argumenta o ex-ministro na carta.

E acrescenta: "Como os ministros Fachin e Toffoli têm rejeitado as razões para as prisões preventivas de réus — como exemplo, os casos de Alexandrino Alencar, Fernando Moura e Paulo Bernardo —, e os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes também têm se manifestado na mesma direção, Moro se antecipa e, na sentença, apresenta seus argumentos: os mesmos da prisão em 3/8/15 e da condenação em 19/5/16".

Dirceu, que é formado em Direito pela PUC de São Paulo, reforça que se trata da mesma prisão e, portanto, o pedido de HC não suprime instância recursal, ou seja, não teria que ingressar com nova ação a cada “nova prisão” decretada por Moro.

"Para manter minha prisão em 19/5/16, ele alegou: riscos à ordem pública, gravidade dos crimes, prevenir reiteração deletiva. Apresenta como fato, e prova, que durante julgamento da AP 470, que durou de agosto de 2006 a julho de 2014, “persistiu recebendo propina de esquema criminoso da Petrobras”. E finaliza afirmando que nem minha condenação na AP 470 serviu para me impedir de continuar … “recebendo propinas!”. Ora, minha condenação no processo Engevix-Petrobras não transitou em julgado, logo tenho a presunção da inocência, não a culpabilidade. Ou Moro já a revogou?", questiona Dirceu.

E acrescenta: "Mas Moro vai mais longe. Diz que “o produto do crime não foi recuperado, há outras investigações em andamento e ainda não foi determinada a extensão de minhas atividades”!!! Então Moro já me condena sem sequer ter me investigado?".

Dirceu rebate a justificativa de Moro de que ele teria papel central nos contratos da Petrobras e era considerado responsável pela nomeação do ex-diretor Renato Duque. "Moro não tem uma prova sequer de que eu tinha “papel central” na Petrobras. Não existe nenhum empresário ou diretor da Petrobras à época que o afirme; não há um fato, uma licitação, um gerente, um funcionário, que justifique ou comprove tal disparate", enfatiza.

Ele desmontou a tese de que sua prisão era para impedir a obstrução das investigações, pois "Não ameaço a execução penal. Estou preso há três anos. Isso mesmo, três anos. Fui preso por Moro estando preso na AP 470, na qual já fui indultado pelo STF", reforça.

"Para me manter preso, Moro alega ameaça à ordem pública, de forma genérica, e que o produto do crime não foi recuperado, expondo mais uma de suas razões sem base nos fatos. Estou sem renda há três anos e todos os meus bens estão sequestrados e arrestados e — com exceção de dois — confiscados", explica.

O ex-ministro também apontou a contradição entre a decisão de Moro e de ministros de tribunais superiores sobre as prisões preventivas. Ele destaca que tal instrumento é uma exceção, só adotada em último caso. "Esses ministros não têm aceito razões genéricas sobre ameaça à ordem pública e econômica para a instrução e execução penal, sem fatos concretos, como argumento para manter as prisões preventivas. E muito menos o próprio crime e sua gravidade de que é acusado o investigado e/ou réu, razão para a pena e seus agravantes e não para a prisão preventiva. No meu caso, insisto, estou preso há vinte meses!", ressalta.

E conclui: "Todos os votos dos ministros são públicos e sinalizam como o “método Moro” traz um entendimento próprio e casuístico sobre a prisão preventiva. Para não falar inconstitucional. Daí o apelo do juiz “`a opinião pública”, seus artigos nos jornais, onde, na prática, ele confessa que as prisões visam as delações e são fundadas em razões, supostamente éticas, acima e fora da lei!".