Para aprovar reforma, governo afeta arrecadação da própria Previdência

 Medidas tomadas pelo Planalto como abatimento e perdão de dívidas com a União, usadas para convencer parlamentares a aprovar a PEC 287, agravam situação da Seguridade Social no Brasil.

Michel Temer - Foto: Marcos Corrêa/PR - Fotos Públicas

O presidente Michel Temer assinou nesta terça-feira (16) a Medida Provisória nº 778, que estabelece o chamado Refis dos Municípios, reduzindo em aproximadamente R$ 30 bilhões os débitos das administrações municipais e governos estaduais com a Previdência Social. “O que mais me agrada neste momento é que eu posso assinar essa medida provisória com parcelamento em 200 meses do débito previdenciário. E convenhamos, não é apenas parcelar. Nós parcelamos, mas reduzimos 25% dos encargos, reduzimos 25% da multa e 80% dos juros. Então, é algo também que visa exatamente a este caminho do fortalecimento da federação”, celebrou, em discurso proferido na XX Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios.

Contudo, como se sabe bem em Brasília, não existe almoço grátis. A MP faz parte de uma ofensiva do Planalto para conquistar os votos, hoje insuficientes, para aprovação da PEC 287, da reforma da Previdência. Além da MP 778, o governo planeja aceitar diversas modificações propostas por deputados na proposta original do Programa de Regularização Tributária (PRT), o novo Refis. De acordo com matéria do jornal Folha de S. Paulo, o projeto tal qual configurado hoje provocaria uma perda de arrecadação de R$ 23 bilhões, com medidas como o desconto em relação às multas, que pode chegar a até 90%.

O pacote de bondades deve alcançar também à bancada ruralista. Em reunião realizada na segunda-feira (15) com parlamentares do grupo, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles mostrou disposição em reduzir a alíquota do Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural (Funrural) de 2,3% para 1,5%. Em relação aos débitos existentes, o governo já teria aceitado conceder um desconto de 100% do passivo, além de perdoar 25% de multas e encargos legais. Mas as benesses podem aumentar já que a negociação segue.

Curiosamente, para aprovar uma “reforma” que, segundo o governo, seria para “equilibrar” as contas da Previdência, as medidas tomadas tiram recursos… da Previdência. Segundo Evandro Morello, advogado e assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a negociação em torno do Funrual pode tirar do sistema da Seguridade Social um montante "significativo". "A Previdência Rural depende muito dessa contribuição advinda da área rural e do Funrural. Eu entendo que é uma contribuição, do ponto de vista da justiça social e distributiva, a mais adequada", disse, em entrevista ao Brasil de Fato.

Perdão de dívidas, uma pedagogia às avessas

Programas como o Refis proposto pelo governo podem desestimular ainda mais o recolhimento de impostos de forma espontânea. “Funciona como uma espécie de pedagogia às avessas e tem feito com que uma parte dos contribuintes espere o próximo Refis para poder pagar seus tributos”, avalia Kleber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). “Cria-se uma concorrência desleal entre quem paga e quem não paga”, aponta.

Ao mesmo tempo em que propõe um programa de parcelamento e amortização de débitos, o governo afeta a própria arrecadação e de outros entes federativos. “Um estudo feito pela Unafisco demonstra que o Refis proporciona um prejuízo de R$ 50 bilhões por ano, e os estados e municípios perdem junto, não é só a União. É uma bola de neve”, explica Cabral.

O presidente da entidade se refere a uma nota técnica divulgada pela entidade em março, a respeito do programa. “Levando-se em conta os dados da arrecadação do ano de 2015, estima-se que municípios perdem R$ 13,45 bilhões de arrecadação, sendo R$ 3,84 bilhões de repasses federais, R$ 4,69 bilhões de repasses dos estados e R$ 4,92 bilhões de tributos municipais”, diz a nota. “Estados, por sua vez, perdem R$ 18,22 bilhões, sendo R$ 3,35 bilhões de repasses federais e R$ 14,87 bilhões de tributos estaduais. Cabe observar que esta é uma perda que se repete anualmente, mesmo em anos que os parcelamentos não são concedidos.” Ainda de acordo com o estudo, parcelamentos especiais como o Refis beneficiam principalmente os grandes devedores, já que 68% deles são concedidos a contribuintes com faturamento anual acima de R$ 150 milhões.

“Conforme mostrou a representante do próprio governo em sua exposição em Audiência Pública da Comissão da Reforma da Previdência, a arrecadação decorrente das várias edições do Refis tem sido pequena, e ainda estimula a sonegação, reduzindo assim a arrecadação em termos gerais”, analisa o economista Rodrigo Avila, da Auditoria Cidadã da Dívida. Para ele, o uso do expediente de perdoar débitos como moeda de troca política “é lamentável, mas isso escancara o que temos denunciado desde o início, de que o governo não está preocupado com o povo, mas com as elites”.

A respeito da aparente contradição do governo em tomar medidas que drenam recursos dos cofres públicos e do sistema de Seguridade Social enquanto defende a aprovação da PEC 287 como forma de manter o equilíbrio fiscal, Avila pondera que os objetivos do Planalto seriam outros. “Estamos falando desde o início que o governo não quer resolver a situação fiscal do país, mas sim retirar dinheiro da Previdência e pagar cada vez mais juros e amortizações de uma questionável dívida pública, que beneficia principalmente grandes bancos, investidores e empresas, que também aplicam seu capital em títulos da dívida. Tais concessões servem para aprovar a reforma, e para beneficiar ainda mais tais setores”, sustenta.