Crise política deixa promessa econômica de Temer ainda mais distante

 No pronunciamento em que descartou renunciar, o presidente Michel Temer tentou se agarrar a uma suposta melhora da economia como forma de permanecer no poder. “Não podemos jogar no lixo da história tanto trabalho feito em prol do país”, disse. Para o economista Paulo Kliass, o discurso não se sustenta, pois, ao contrário do que diz a gestão, não há recuperação sustentada da economia. Para ele, a instabilidade gerada pela crise política paralisa o país e deve agravar a crise.

Paulo Kliass

No discurso desta quinta (18), Temer defendeu que seu governo viveu nesta semana seu melhor e seu pior momento. O pronunciamento ocorreu após a revelação de que uma gravação do dono da JBS mostraria o presidente endossando a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.

“O otimismo retornava, e as reformas avançavam no Congresso Nacional. Ontem, contudo, a revelação de conversa gravada clandestinamente trouxe de volta o fantasma de uma crise política de proporção ainda não dimensionada. Portanto, todo o imenso esforço de retirar o país de sua pior recessão pode se tornar inútil", declarou Temer.

De acordo com Kliass, o governo “está mais desesperado que nunca”. Não só porque não tem conseguido os resultados prometidos para a economia, mas, principalmente, porque, com a incerteza gerada pelas novas denúncias, a situação só deve piorar.

“Eles diziam que bastava tirar a Dilma, colocar uma ‘equipe técnica’, dois banqueiros para comandar a economia, e tudo estaria resolvido. Mas nada disso deu certo. A economia continua com problemas de crescimento, o desemprego aumentou”, apontou Kliass, se contrapondo à fala de Temer.

Segundo ele, a recuperação efetiva do crescimento só virá com o aumento da taxa de investimento, que continua extremamente reduzida. “Os setores de bens de capital, infraestrutura não estão crescendo na necessidade que o país tem. Se alguns índices melhoram um pouco aqui ou acolá, é porque você está tão fundo na recessão, há mais 13 milhões de desempregados, que qualquer crescimento marginal parece algo positivo, mas não é sustentável. E, se a situação continuava ruim, com a instabilidade, a tendência é piorar”, afirmou.

Kliass ressaltou que os investimentos vêm “não porque o ministro é confiável ou o presidente é da turma do financismo”, mas quando os empresários conseguem enxergar que terão retorno mais à frente. “O cara quer fazer as contas e ver que vai ter lucro. Simples assim. E, enquanto você tiver condições macroeconômicas como as que temos hoje e este grau de indefinição política, os investimentos não virão”, indicou.

O economista disse ainda que o governo tem pautado o seu discurso otimista em dados “manipulados”. A referência é aos indicadores relativos ao desempenho do comércio e dos serviços em janeiro, que foram recentemente revisados pelo IBGE e passaram a registrar crescimento desses setores. Diversos economistas, contudo, apontaram que o resultado positivo é, na verdade, fruto de uma mudança de metodologia.

“Depois de quase três anos de recessão, em algum momento a economia vai voltar a crescer, mas não no ritmo anunciado. E o governo agora lança mão de artifícios de manipulação de dados para tentar extrair leite de pedra e ver se a economia consegue dar resultado”, criticou.

Na sua avaliação, enquanto não houver uma recuperação do protagonismo do setor público no investimento e na geração de renda, será difícil retomar a atividade econômica.

“Não tem milagre, porque, quando o cara do setor privado faz o cálculo do retorno do seu investimento, ele quer saber quem vai comprar seus produtos. Se ele vê que a população está desempregada, o salário está correndo o risco de ficar mais arrochado, ele não tem perspectiva de futuro. E, mesmo que a situação melhore um pouco, como ele está trabalhando com um alto nível de capacidade ociosa, o investimento não vai acontecer”, previu.

Sem reformas e com Diretas Já

Para Kliass, as recentes denúncias contra o presidente dificultam ainda mais a situação da gestão, que apostava todas as suas fichas na aprovação das reformas trabalhista e da Previdência. “Na lógica do governo, a retomada da economia dependia de reformas que tramitam no Congresso. Antes culpavam a oposição por atravancar essas reformas. Agora, tudo vai ficar paralisado. Vão culpar quem? O problema é que, nesse quadro de indefinição política, se antes estava complicado, agora é mais difícil ainda.

O economista destacou que a indefinição sobre os rumos do país pode durar meses e isso vai retardar ainda mais a capacidade de recuperação da economia. “A solução política ficou na geladeira. Enquanto não se resolver isso, não se vai conseguir articular nada. Atá ontem, esse governo já não conseguia. Com a insistência em não renunciar, isso piora. A base já está caindo fora. A debandada agora vai ser geral”, apontou.

Sem a gestão apostar no investimento público e com o setor privado sem estímulos para investir – ainda mais diante da instabilidade política -, Kliass previu um aprofundamento dos problemas econômicos e sociais. Na sua avaliação, só com eleições diretas será possível reverter o quadro atual.

“Passou um ano e todos os índices que eles herdaram só fizeram piorar. A tal da fadinha da confiança não lançou sua varinha mágica para provocar crescimento. Agora, não tem o que fazer. Tem que mudar o governo e colocar lá alguém pelo voto popular, com legitimidade e credibilidade para fazer economia voltar a crescer. Porque daí [do governo Temer] não sai nada. É um pântano. Cada passo que dá, afunda mais”, encerrou.