Reforma trabalhista é desmascarada em nota técnica da CTB
Em nota técnica concluída no final de maio, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) afirma que a reforma trabalhista é o maior atentado contra os trabalhadores desde a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943.
Por Railídia Carvalho
Publicado 31/05/2017 19:55
O texto elaborado pelo assessor jurídico da entidade, o advogado Magnus Farkatt, analisa 15 pontos da reforma, traduzindo o impacto das mudanças na atual legislação, nas relações trabalhistas, na Justiça do Trabalho e no movimento sindical.
Está previsto que o relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) sobre o PLC 38 vá a votação na próxima terça-feira (6). O tucano recomendou a aprovação do texto enviado pela Câmara sem acatar emendas, recomendando apenas “vetos” para agilizar o trâmite.
“O certo é que a quase totalidade das mudanças propostas na reforma trabalhista é prejudicial aos interesses da classe trabalhadora brasileira”, declarou Adilson Araújo, presidente da CTB.
“A nota técnica é uma contribuição da CTB que será entregue para parlamentares, sindicatos, federações, entidades internacionais, denunciando o falso argumento de que estas alterações são necessárias para promover a retomada do crescimento econômico e a criação de empregos em nosso país”, completou.
Magnus Farkatt concluiu durante a elaboração do estudo que a reforma trabalhista incorporou todas as modificações pretendidas pelo empresariado brasileiro sobre o Direito do Trabalho no Brasil. “Ataca-se, ao mesmo tempo, o Direito do Trabalho, a Justiça do Trabalho, o Processo do Trabalho e as organizações sindicais em nosso país.”
Na opinião dele, a nota técnica procura desvendar de que maneira os ataques aos trabalhadores são desferidos e como é possível enfrentá-los. “Trata-se de mais um instrumento a serviço da resistência à ofensiva neoliberal que se abate sobre o Brasil, e que o povo brasileiro haverá de derrotar”, afirmou Magnus.
“Ao proibir que os Tribunais do Trabalho criem obrigações que não estejam previstas em leis, o projeto afasta do Poder Judiciário a possibilidade de solucionar conflitos a partir de outras fontes do direito, dentre as quais os princípios do Direito do Trabalho, os costumes, os tratados e convenções internacionais e a própria jurisprudência, o que se constitui em um retrocesso inadmissível”, afirma o parecer da CTB.
A Central ainda critica a redação proposta para o artigo 507-A da CLT que institui a arbitragem facultativa, o que na opinião da CTB enfraquece o Poder Judiciário em favor de “organizações de idoneidade duvidosa”.
Segundo a entidade, essa medida pode se estender a todos os trabalhadores no futuro – pela reforma é voltada apenas para empregados que tenham remuneração de aproximadamente R$ 11.000,00 – e pode ser também o início da extinção da Justiça do Trabalho.
Trabalho intermitente
A reforma trabalhista proposta formaliza e inaugura modalidade de trabalho em que o empregado não sabe quanto vai ganhar e nem quanto de trabalho terá. Ficará em casa à espera da convocação do empregador, no entanto, não receberá por essas horas. O trabalho intermitente previsto pela reforma é estabelecido para os artigos 443, caput e § 3º, e artigo 452-A da CLT.
“Trata-se evidentemente de uma modalidade de trabalho precário, que não permite ao trabalhador ter uma vida social regular”, denuncia a nota. O estudo acrescenta ainda que o trabalhador não terá remuneração fixa e “não terá a menor ideia de quanto irá receber ao final de um dia, semana ou mês”.
Legalização da fraude
“A quitação anual de títulos trabalhistas pode vir a se constituir na legalização da fraude perpetrada por alguns empregadores”, relata o parecer da CTB ao se referir à concessão feita pela reforma trabalhista aos empregadores de oferecer ao empregado quitação geral anual de todas as verbas trabalhistas do contrato.
Essa medida impede o trabalhador de recorrer à Justiça caso se sinta lesado em seus direitos. “Em um contexto de crise econômica como o atual, é muito provável que os trabalhadores concordem em ofertar quitação de verbas que não receberam apenas para garantir os seus empregos”, denuncia a CTB.
Negociado sobre o legislado: O coração da reforma
Pela reforma trabalhista em trâmite no Senado, representantes de trabalhadores e empregadores podem firmar convenções coletivas de trabalho que reduzam direitos estabelecidos em lei.
Segundo a nota técnica, este item é o coração da reforma ao alterar os artigos 611-A e 611-B da CLT. O estudo da central afirma que, mesmo que estejam explicitadas apenas 16 hipóteses em que pode se praticar o negociado sobre o legislado, essa lógica pode extrapolar os 16 pontos.
O documento lembra também que o negociado sobre o legislado é previsto em situações excepcionais pelo artigo 7º incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal que dispõe sobre a irredutibilidade de salários, jornada de trabalho, “salvo disposição em acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
Em recente audiência no Senado sobre a reforma trabalhista, o procurador regional do Trabalho Paulo Joarês Vieira afirmou que a reforma não revoga o salário mínimo mas cria o contrato intermitente onde o trabalhador não tem assegurado o salário mínimo e nem um mínimo de horas. “Então, o trabalhador poderá receber muitas vezes menos do que o salário mínimo”, concluiu Paulo.
A nota reitera que “os direitos trabalhistas previstos em nossa legislação estão em um patamar mínimo civilizatório que não admite redução”.
Acordo coletivo sobre negociação coletiva
O parecer da CTB recomenda a rejeição da nova redação proposta pela reforma trabalhista para o artigo 620 da CLT. O novo texto permite que o que foi definido em acordo coletivo prevaleça sobre as decisões de uma convenção coletiva.
Essa redação desconsidera princípio do Direito do Trabalho que estabelece que quando houver interpretações de natureza distinta sobre um tema, deve ser aplicada a norma que mais beneficie o trabalhador.
“Entretanto, ela [a proposta de reforma] deve ser rejeitada por um outro aspecto, qual seja, ela privilegia a negociação por empresa em detrimento da negociação por categoria profissional.” O acordo é feito entre o sindicato e uma empresa enquanto a convenção é celebrada entre o sindicato dos trabalhadores e o sindicato patronal.
“É óbvio que, na maioria das vezes, a negociação por categoria tende a ser mais vantajosa para o trabalhador, à medida que o poder de mobilização e pressão da categoria profissional é maior que o poder de mobilização e pressão dos trabalhadores de uma determinada empresa”, comparou trecho da nota.
Renunciar a direitos: Acordos individuais sobre coletivos
A formalização da redução de direitos continua na prevalência do acordo individual sobre acordos coletivos e convenções coletivas. A nova proposta de redação para o artigo 444 da CLT é interpretada pela nota como “profundamente nefasta para os trabalhadores” quando legitima que o estabelecido na negociação entre o trabalhador com diploma de nível superior e remuneração superior a aproximadamente R$ 11.000,00 possa abrir mãos dos direitos assegurados em lei.
De acordo com a CTB, a redação proposta ao artigo 444 é “muito grave” ao admitir “que um trabalhador possa estabelecer individualmente, e sem a assistência sindical, uma cláusula em seu contrato de trabalho renunciando a direitos previstos em lei”.
O que está em jogo, segundo o estudo, é a lógica da renúncia de direitos, que pode se estender no futuro a todos os trabalhadores. O fato também de alcançar empregados cuja remuneração é de aproximadamente R$ 11.000,00 não retira a gravidade do dispositivo.
Terceirização
Na avaliação da CTB, a reforma trabalhista foi o caminho encontrado pelo governo ilegítimo de Temer de corrigir quaisquer dúvidas surgidas quanto à interpretação da Lei 13.429/2017, sancionada em março por ele e que deixou dúvidas sobre a terceirização ou não da atividade-fim.
“Por razões óbvias, somos contrários a qualquer modalidade de terceirização, especialmente a terceirização das atividades-fim da empresa contratante. Afinal, dados estatísticos dão conta de que o empregado terceirizado recebe remuneração inferior em até 25% àquela recebida pelo empregado da empresa tomadora que exerce as mesmas atividades. De outra parte, 80% dos acidentes de trabalho verificados no Brasil vitimam empregados de empresas prestadoras de serviço.”