Belluzzo: Queremos liberdade com igualdade, não queremos totalitarismo

Em conferência da Unicamp, economista diz que trabalhadores precarizados são, hoje, um símbolo da "situação horrorosa" do homem contemporâneo. Debate abordou 150 anos de "O Capital", da Karl Marx.

Economista Luiz Gonzaga Belluzzo - Foto: Eduardo Maretti/RBA

O 22° Encontro Nacional de Economia Política, realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reuniu na manhã desta quarta-feira (30) o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da própria Unicamp, o cientista político Michael Heinrich (Universidade de Berlim) e o professor Escola de Serviço Social da UFRJ José Paulo Netto (UFRJ) para debater os “150 anos do lançamento do livro I de O Capital”, de Karl Marx.

Belluzzo afirmou que Marx é um pensador da liberdade e da igualdade, e que é fundamental e atual ainda hoje, mas, com José Paulo Netto, defendeu que o pensador alemão não pode ser lido com determinismo. "Marx não é um economista. Ele está preocupado com os valores e a cultura de seu tempo. A economia para ele é um instrumento de análise da sociedade burguesa."

Belluzzo interpreta o autor de O Capital como "um pensador da liberdade e igualdade". De outro lado, afirmou, o lema da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), quando a burguesia chegou ao poder, é um ideal que, para ser realizado, depende de que "a sociedade se transforme em outra coisa".

"Mas não tem nenhum determinismo. Precisa de muita construção social. Me considero um social-democrata. A construção do pós-guerra foi uma coisa fantástica. Daquela tragédia saímos para um momento em que foi possível preservar a liberdade melhorando as condições da igualdade. Ser de esquerda quer dizer isso, queremos liberdade com igualdade. Não queremos tropelias e totalitarismo", diz.

Segundo sua análise, no atual momento histórico o capitalismo vive "a contradição de maneira intensa, mas essa crise não vai ser resolvida pelo automatismo, e sim pela organização da luta social".

Porém, diz Belluzzo, é preciso aproveitar o que o capitalismo fez de positivo. "Vivemos num mundo de abundância e possibilidades enormes de livrar o homem dessa situação horrorosa em que está." Segundo o economista da Unicamp, os trabalhadores precarizados são, na atualidade, um símbolo dessa situação. "Eles são 40% dos trabalhadores nos Estados Unidos."

De acordo com sua leitura do autor alemão, Marx vai além de análises teóricas sobre as relações econômicas. "Ele quer dizer que os homens podem ser criativos, mas não pelo trabalho subordinado (ao capital)."

Também para o comunista José Paulo Netto, o mundo possui riquezas suficientes para superar a pobreza e a miséria. "Vivemos na abundância. É possível dar aos 7 bilhões de habitantes (do mundo hoje) uma ração protéica e calórica necessária. Mas a barbárie está aí. Basta olhar o Mediterrâneo, a África subsaariana e as nossas periferias."

Também para Netto, a obra de Marx não deve ser interpretada de maneira determinista. "Das crises do capitalismo não significa que vai resultar o socialismo. Para quem é socialista, é cada vez mais claro que a opção da sociedade deve ser socialismo ou barbárie. Não sou pessimista, mas podemos acabar na barbárie”, disse. Ele avalia que há ingenuidade no pensamento de "quem acha que o trem da revolução vai chegar amanhã às sete e meia".

Para Netto, Marx "é necessário hoje, mas não é suficiente". Em sua opinião, outro erro é ler Marx de maneira "fundamentalista". "Quem lê O Capital como quem lê O Corão ou o Novo e Velho Testamento certamente vai fazer besteira. Ler Marx como um economista contemporâneo leva a determinismos e erros", disse. Ele destaca que uma possível leitura do autor alemão é como sociólogo e historiador.

Michael Heinrich, da Universidade de Berlim, destacou que é preciso entender a análise de Marx das relações sociais. Como teórico, ele vem defendendo nas duas últimas décadas que é simplista abordar a questão capitalista contemporânea como se o sistema financeiro fosse uma novidade ou possa ser colocado em oposição ao chamado capitalismo produtivo. Para ele, "sem um setor financeiro especulativo, a produção capitalista é impossível".

"É comum que a critica se dirija contra um capitalismo 'sem freios' cujo poder destrutivo parece estar associado a um sistema financeiro especulativo. O fato de o sistema financeiro estabelecer padrões de lucratividade e de eficácia de custos para as empresas individuais, dizer sobre como elas devem obter crédito e emitir ações, não é de modo algum um fenômeno recente", escreveu em um texto de 2002, no qual acrescenta: "O fato novo das últimas décadas é a emergência de um sistema financeiro largamente internacionalizado, o qual passou crescentemente a ditar os padrões internacionais de valorização do capital".

O 22° Encontro Nacional de Economia Política, organizado pela Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), vai até a próxima sexta-feira (2), com transmissão ao vivo na página da SEP no Facebook.