Em disco de estreia, rapper guarani defende demarcação de terras
“Nunca desistir/ Tamo aqui na luta sempre alto astral/ Que é tudo por respeito/ Queremos mais direito” canta Kunumi MC na primeira estrofe da música Nunca desistir. A canção, que mostra o tom político presente em todo o seu trabalho, faz parte do álbum de estreia do rapper guarani, My blood is red, lançado recentemente em São Paulo.
Por Paulo Henrique Pompermaier
Publicado 09/06/2017 09:42
Com apenas 16 anos – Kunumi significa jovem em guarani -, Werá Jeguaka Mirim quer fazer do rap um instrumento de luta pelos direitos dos indígenas. “O rap é uma cultura de defesa e resistência, então uso o rap para protestar e batalhar. E com ele dá para falar bem das coisas que estão acontecendo atualmente, as violações de direitos humanos, e essa corrupção que está aparecendo agora”, diz.
Kunumi rima sobre respeito aos povos indígenas, o valor da educação, a urgência da demarcação de terras e a preservação da natureza. Recorrendo às imagens da natureza e dos animais, escrevia poesia, e quando começou a ouvir rap, aos 9 anos, sob a influência de Sabotage, SNJ e Brô MC’s, percebeu que aquelas palavras poderiam virar música.
“Tem vários indígenas com talento, mas que não usam porque não têm a escrita na mente. Então é muito importante ter literatura na aldeia, porque vivemos no século 21 e ler e escrever é importante para entender o genocídio que aconteceu no passado e ainda acontece”, afirma. Com Criolo, ele compôs a música Terra, ar, mar, ainda sem previsão de lançamento.
Quando não está cantando ou aparecendo na mídia (ele ficou conhecido em 2014 ao estender em campo, na Copa do Mundo, uma faixa pedindo a demarcação de terras indígenas), o rapper leva a vida comum de sua tribo. Frequenta o segundo ano na escola indígena, localizada em sua aldeia, participa dos cânticos religiosos diários, fuma o cachimbo petingua. Seguindo a tradição guarani, que já o considera um adulto aos 16 anos, casou no ano passado e cuida de sua mulher e do filho de dois meses.
O Kunumi chegou
O rapper, que nasceu na aldeia Krukutu, na região de Parelheiros, no extremo sul da capital paulista, começou a se envolver no universo artístico desde muito jovem, por influência do pai, o escritor Olivio Jekupé. Com 16 livros publicados, entre literatura infantil, poesia e contos indígenas, ele ensinou o filho desde pequeno a se expressar por meio de linguagens nas quais “os brancos prestam atenção”.
“Eu sempre falo pra ele que a poesia que ele escreve é muito importante porque é uma forma de conscientizar a sociedade que temos direito, porque muitos no Brasil nos veem como invasores, mas na verdade somos os povos originários, os donos dessas terras. E a literatura escrita tem mais influência na sociedade branca”, relata o pai. “A gente percebe que no rap já tem uma crítica em sua própria forma”.
Antes de estrear na música, Kunumi publicou dois livros infantis, o autobiográfico Kunumi guarani (Panda books, 2014), e Contos dos curumins guaranis (FTD, 2014), com relatos das lendas orais guarani. No rap, acredita que sofre críticas de todos os lados. “Alguns falam que a gente não pode cantar rap porque estamos perdendo a cultura, às vezes até os indígenas pensam isso, mas cantando rap a gente pode salvar a cultura”, diz. Grande parte de seus raps misturam versos em português e guarani, evidenciando essa tentativa.
Para ele, o gênero pode ser uma das formas de mostrar o potencial artístico dos ameríndios. “Muita gente fala que a gente não trabalha, que foi feito só pra morrer, então temos que mostrar nossa capacidade de ser ator, cantor, escritor, músico, artista, desenhista, diretor de filme”, afirma. “Se a gente usa essas tecnologias é porque é a forma que tem para nos manifestarmos, batalharmos, tentar trazer para o mundo que os indígenas têm a capacidade de pensar e criar.”