Haroldo Lima: Alípio de Freitas se foi

Alípio de Freitas, o ex-padre Alípio, acaba de falecer em Lisboa, a 13 de junho de 2017. Português de nascimento, naturalizado brasileiro, aos 88 anos, foi-se um revolucionário. Destemido, corajoso como poucos, culto, era um batalhador contra as injustiças sociais e os desmandos políticos.

Por Haroldo Lima*

Alípio de Freitas

Ordenado padre em Portugal, por lá mesmo teve suas primeiras experiências de vida no meio dos estratos sociais mais pobres e com a gente mais simples. De Portugal, veio para o Brasil, para o Maranhão, onde organizou trabalhadores rurais na luta contra o latifúndio. Sua atividade política, antes de 1964, se espalhou, tornou-se líder de Ligas Camponesas pelo Nordeste, o que lhe valeu dois processos políticos antes do golpe.

A ditadura, logo após instalada, procurou o Alípio como a poucos, mas não o encontrou, pois que ele logo se escondera, não esperou o golpe. Entrou então em Ação Popular, jovem organização revolucionária.

Esteve em Cuba, estudando táticas de guerrilha. Voltou ao Brasil, na mais completa clandestinidade. Na época, AP já tinha deliberado oferecer resistência armada ao regime militar, mas não tinha ainda se decidido por que tipo de luta armada iria optar. Discutia-se a teoria do “foco guerrilheiro”, de suposta inspiração cubana, e a teoria da “guerra popular”, vitoriosa na China e no Vietnam. Estudávamos arte militar, ardis de guerrilha, pesquisávamos o Brasil, viajávamos muito, procurávamos áreas para guerrilha.

Na direção de AP, aí pelos meados de 1968, eu estava me preparando para entrar na clandestinidade, mas ainda morava em apartamento no bairro de Brotas em Salvador, com minha companheira Solange, quando recebemos a notícia de que chegaria na Bahia, para ministrar aulas, simplesmente Alípio de Freitas. Onde escondê-lo, ele, que era, provavelmente, dos políticos mais procurados pela repressão na época. Ainda não estávamos calejados na rigidez da segurança clandestina. Também não tínhamos muitas alternativas. Resolvi “esconder” o Alípio de Freitas em meu próprio apartamento. E lá ele passava os dias estudando, de onde saia, escondido, para dar suas aulas, também no apartamento de Péricles de Sousa, esvaziado para esse fim.

Certo dia o ex-padre disse-me estar desejoso de conhecer D. Timóteo Amoroso Anastácio, o Arquiabade do Mosteiro de S. Bento, em Salvador, figura de grande tirocínio, coragem, humildade e muito amigo meu. Foi montada uma operação absolutamente sigilosa para levar D. Abade até minha casa e lá encontrar o ex-padre, com quem o beneditino conversou bastante e a quem ministrou a comunhão. Tudo numa noite.

Preocupado com a segurança do Alípio, resolvemos transferi-lo para lugar “mais seguro”, o apartamento de Rubem e Anete Ivo, de AP, que ficava no andar de cima do meu, no mesmo prédio na D. João VI, em Brotas.

Fizemos uma viagem pelo interior, até a região de Palmas de Monte Alto, no vale do São Francisco, olhando lugares apropriados para a luta guerrilheira. Voltamos para Salvador e finalmente Alípio partiu para outra viagem com Ronald Freitas.

Por divergência políticas, Alípio deixa AP e funda, com alguns outros, o PRT, Partido Revolucionário do Trabalhador, de vida efêmera.

Preso, foi barbaramente torturado e ao sair da cadeia, 8/9 anos depois, voltou às terras de sua origem, Portugal.

Pelo final da década de 1990, eu já fora preso, já fora solto, Solange também. Estava deputado federal, quando fomos a Portugal, eu representando o PC do B em um congresso partidário. O Alípio soube, apareceu pelo congresso, nos abraçou comovido. Convidou-nos a um jantar, regado a vinho e a manifestações de amizade. Cada um expressou ter boas recordações dos demais.

O jantar foi regado também a reminiscências de um período áspero, de arbítrio e truculência no Brasil, em que, altivo, desafiando a tudo e a todos, desfilava a figura de um revolucionário, Alípio Cristiano de Freitas, procurado intensamente pela repressão, admirado profundamente pelos seus companheiros e pelo povo, que o conheciam como o padre Alípio.

Ficam aqui as homenagens a Alípio de Freitas, seguramente de todos os que o conheceram.