Reforma trabalhista quer gerar emprego "padrão bóia-fria"

"É o cenário do trabalhador bóia-fria". Esse é o comentário do diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, sobre a afirmação de que a reforma trabalhista vai gerar empregos. Estudo feito pelo Santander e publicado nesta terça-feira (20) pelo jornal O Globo afirma com estardalhaço que em caso de aprovação a reforma criará em menos de um ano 2,3 milhões de empregos.

Por Railídia Carvalho

Câmara dos deputados reforma trabalhista - Foto: Richard Silva/PCdoB na Câmara

“Isso não é uma geração de postos de trabalho. Na verdade é uma legalização decorrente de uma lei que baixa o padrão protetor do trabalhador. O que hoje é um trabalho ilegal passa a ser legal. Por isso uma série de trabalhos poderão passar a aparecer e isso não é gerar novos postos de trabalho”, declarou Clemente.

Na opinião dele, é bem possível que haja uma tendência do mercado em optar por mais trabalhos em condições flexíveis, permitidos pelo texto da reforma trabalhista, do que um trabalho com jornada de oito horas e da forma como vemos nos dias de hoje com a prevalência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Bóia-fria

Entre os pontos previstos pelo Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38, que trata da reforma trabalhista, está o trabalho intermitente, que permite que um trabalhador seja contratado sem que saiba o quanto vai trabalhar, o quanto vai receber ficando este empregado à disposição do trabalhador. Esta modalidade de contrato será legalizada com a reforma e deve ser considerada uma das fontes de “geração de empregos “ pelos cálculos do estudo do Santander.

“Esse trabalhador vai estar o tempo todo procurando um posto de trabalho. A reforma traz uma outra condição de ocupação mais precária e insegura porque não tem garantias para aquela jornada. Pressuponho que um debate sobre a qualidade dos postos de trabalho não é requisito no cálculo do estudo que foi feito”, observou Clemente (foto).

O que Clemente chama de precariedade, os economistas do Santander chamam de “perdas”. Os pesquisadores admitem que haverá perdas para os trabalhadores, principalmente para os menos qualificados.

O diretor do Dieese enfatiza que a reforma trabalhista resultará em um cenário perverso que elevará o nível de estresse, ansiedade e depressão entre os trabalhadores. A lógica da reforma é a flexibilização da legislação e a redução de custos para o empregador.

“Sabe a figura do bóia-fria que ia para a frente da praça para entrar no caminhão para cortar cana? Os que não conseguiam o trabalho não teriam como sustentar a família. Esse passa a ser o cotidiano do trabalhador que a reforma vai gerar. Se a empresa não contrata ele não tem salário. Como vai pagar a despesa e sustentar a família? Agora eles chamam isso de emprego, de modernização”, questionou Clemente.

Quando o Brasil viveu em 2010 situação de pleno emprego a CLT não era empecilho para a boa situação econômica vivida no país.

“Provamos que o país podia gerar postos de trabalho protegidos. Naquele período o Brasil mais que dobrou os postos de trabalho com carteira assinada. O que gerou isso foi o crescimento econômico que não conseguirmos sustentar. Mas essa dinâmica não está e não esteve associada aos postos de trabalho”, lembrou Clemente.

De acordo com ele, o presidente ilegítimo Michel Temer está entregando uma flexibilização muito forte do mercado de trabalho que se estrutura com uma lógica que rebaixa o padrão da qualidade no emprego, por exemplo.

“A reforma trabalhista se apresenta sem nenhuma responsabilidade e compromisso social. Aonde vai dar talvez poucos saibam mas a experiência tem mostrado que resulta em um sociedade muito ruim, em uma forma de vida precária com aumento da pobreza, desigualdade, aumento das doenças modernas e da insegurança sobre as formas de o trabalhador ter autonomia para conduzir sua vida”, finalizou.