O segredo do Canadá para resistir à onda conservadora ocidental

 À medida em que o populismo de direita avançou politicamente em todo o Ocidente, há um país onde os populistas não conseguiram chegar: o Canadá.
Por Amanda Taub

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Os ingredientes presentes são: uma maioria étnica branca que está perdendo seu domínio demográfico, um aumento acentuado da imigração que está mudando a cultura e as comunidades e noticiários e personalidades políticas que apostam numa reação negativa por parte dos canadenses brancos.

Ainda assim a política no Canadá se mantém estável. Esse cenário de liberalismo de centro é popular. Não só os políticos brancos contra avanços dos movimentos civis falharam, mas a imigração e a diversidade racial são fontes de orgulho nacional. E quando pessoas de fora do Canadá executaram o plano populista ele foi derrotado.

Alguns podem assumir que isso ocorre porque o Canadá é simplesmente mais liberal mas esse não é o motivo. Ao invés disso, o Canadá resistiu a onda populista com várias decisões estratégicas, poderosas, incentivos institucionais, coalizões de uma forte minoria e circunstancias idiossincráticas.

Enquanto não há uma resposta mágica para o populismo. A experiência Canadense oferece lições inesperadas para outras nações.

Um tipo diferente de identidade

Em outros países ocidentais o populismo de direita emergiu como uma política de “nós contra eles” que coloca membros de maiorias brancas contra os imigrantes e minorias, dirigido por um senso que as identidades nacionais coesas estão sob ameaça. Na França por exemplo, é comum ouvir que a imigração dilui a identidade francesa, assim, grupos minoritários mantendo sua própria cultura podem ser erosivos a elementos vitais Franceses.

O termo identidade funciona diferente no Canadá. Tanto os brancos como os não-brancos veem a identidade canadense como algo que não só pode acomodar pessoas de fora, mas que é realçada pela inclusão de diferentes tipos de pessoas.

O Canadá é um mosaico ao invés de ser homogênea, muitas pessoas me disseram- um lugar que celebra diferentes origens em vez de ter uma assimilação exigente.

“Muitos imigrantes vem com suas culturas e os Canadenses gostam disso”, disse Ilya Bolotine, uma russa que trabalha com Tecnologia da Informação que eu conheci num grande parque no lado de Ontário. “Eles gostam de variedade. Eles gostam de diversidade”.

A identidade raramente funciona dessa forma. Ao redor do mundo as pessoas tendem a se identificar com sua raça, religião ou pelo menos sua língua. Mesmo nos Estados Unidos, uma nação de imigrantes a política há muito tempo se agrupou em torno de grupos demográficos

A identidade multicultural do Canadá é em grande parte o resultado de manobra política.

Em 1971, o primeiro ministro Pierre Trudeau encarou uma crise entre os separatistas canadenses de língua francesa em Quebec. Seu partido estava perdendo apoio, e seu pais corria o risco de se dividir em dois.

A solução do Sr. Trudeau foi uma política oficial de multiculturalismo e imigração generalizada. Isso deveria resolver o conflito sobre se a identidade Canadense era mais anglófona ou francófona – todavia, não há uma diversidade suficientemente grande para banalizar as velhas divisões.

Isso também traria uma base de votantes imigrantes para reforçar o Partido Liberal do Sr. Trudeau.

Depois, no começo do ano 2000, outro calculo astuto de um político mudou a dinâmica da política étnica, consolidando o multiculturalismo em todos os partidos.

Jason Kenney, um membro conservador do parlamento convenceu o primeiro ministro Stephen Harper que o partido deve julgar os imigrantes que – graças a0 esforço do Sr Trudeau- há muito apoiaram o partido Liberal.

“Eu disse que a única forma que nós conseguiríamos construir uma coalizão de governos era com o apoio de novos canadenses, dada a mudança da demografia” Sr Kenney disse.

Ele obteve sucesso. Nas eleições de 2011 e 2015, os conservadores ganharam uma maior parte de votos dentre os imigrantes do que entre os cidadãos nativos.

O resultado é um amplo consenso político em torno do lugar dos imigrantes na identidade nacional do Canadá.

Isso cria um círculo virtuoso. Todos os partidos acreditam e competem por uma minoria de votos então nenhum deles incentiva a atender a reação anti-imigrante. O que, por sua vez, mantém o sentimento anti-imigrante sob controle para que ele não se torne um conflito político.

Na Inglaterra, entre os votantes brancos que dizem querer menos imigração, cerca de 40% dizem que limitar a imigração é o assunto mais interessante para eles. Nos Estados Unidos esses votos configuram 20%. No Canadá, de acordo com um estudo de 2011, eram só 0,34 por cento.

Grupos Étnicos de Cortesia

Mesmo com os políticos arquitetando um consenso pró-diversidade, grupos imigrantes e minoritários organizaram seus interesses

No Canadá, porque todos os partidos concorrem por todos os blocos étnicos as minorias tendem a não se polarizar em um só partido. Isso deixa pouco incentivo para o tribalismo, mesmo se os grupos minoritários se sentem capacitados para defender sua identidade étnica ou religiosa.

Nós dizemos “olhe, onde você está em questões específicas de importância para nós?” disse Kulvir Singh Gill, um membro poderoso da comunidade Sikh (1) de Toronto. “E em base disso, nós seremos seletivos em nosso apoio”.

Esse mês, Sr. Gill ajudou a organizar um jantar beneficiente para o banco Seva Food, um grupo de caridade da comunidade Sick que ele é co-fundador.

O evento era para políticos. Membros principais dos três principais partidos do Canadá estavam presentes, assim como haviam vários membros do parlamento e o governador da província de Ontario. O primeiro ministro Justin Trudeau (filho do Pierre Trudeau) gravou um vídeo de abertura para o jantar.

Todos procuravam apoio dos Sikhs do Canadá – mas todos iriam se esforçar para isso.

Sr Gill atribuiu isso a “real maturação na comunidade”, com o Sikhs cultivando laços com todos os três partidos, garantindo que sua voz fosse representada não importando quem ganhasse a eleição.

Outro grupo minoritário utilizou essa estratégia também. Como resultado, enquando as minorias em outros países sentem pressão para se juntar, no Canadá eles se esforçam quando retêm um grupo de forte identidade.

As pesquisas da ciência política sugerem que essa dinâmica pode ter tornado o Canadá resistente ao extremismo político e a polarização que assola outros países ocidentais.

Liliana Mason, professora na Universidade de Maryland, descobriu que, quando a identidade grupal e a identidade partidária se sobrepõem, isso aprofunda a polarização e a intolerância partidária contra o partido opositor.

Mas porque a política canadense explica a diversidade sem polarizar as linhas étnicas ou religiosas, é mais resiliente. Todos, incluindo brancos, tornam-se menos propensos a ver a política como um jogo de nós contra eles.

"Somos uma articulação desse sonho canadense, o sonho canadense sikh, de viver nossos valores e colocá-los em ação", disse o Sr. Gill.

Fazendo a imigração de massa funcionar

As mudanças rápidas na demografia tendem a estimular o sentimento anti-imigrante no grupo dominante, dizem os especialistas, reforçando políticos de extrema-direita que prometem táticas agressivas contra pessoas de fora.

Mas, embora as altas taxas de imigração do Canadá tenham transformado o país em apenas algumas décadas, o público tem sido em grande parte calmo e aceitável.

Uma das razões podem ser as políticas de imigração incomum do Canadá. Um sistema de patrocínio, no qual as famílias canadenses acolhem os recém-chegados, permite que as comunidades considerem que fazem parte do programa de reassentamento de refugiados do país.

Há um sistema de pontos, que favorece os migrantes e assim se pensa que eles contribuem economicamente. Torna-se a sensação da como algo que beneficia todos

Como resultado, a imigração é amplamente aceita como positiva, encerrando uma importante avenida de mobilização populista.

Ahmed Hussen, o ministro federal da imigração, disse que "há uma sorte na geografia" que também ajudou a tornar a imigração menos ameaçadora.

Praticamente todos os imigrantes para o Canadá são trazidos aqui deliberadamente. A pesquisa sugere que a imigração descontrolada, por exemplo, a chegada em massa de refugiados na Europa, pode desencadear uma reviravolta populista, independentemente de essas chegadas representarem uma ameaça.

"Temos o luxo de estar cercado por oceanos em três lados, e depois pela fronteira dos EUA", disse Hussen. "O que, em relação à sua fronteira sul, não tem a mesma quantidade de migração irregular"

Immo Fritsche, professor da Universidade de Leipzig, na Alemanha, descobriu que quando as pessoas sentem uma perda de controle, eles se apegam mais às identidades raciais e nacionais. E eles desejam líderes que prometem reafirmar o controle.

Os populistas europeus realizaram tais promessas e acusaram os estabelecimentos políticos de vender seus países aos migrantes. A promessa do presidente Trump de construir um muro fronteiriço é, no seu núcleo, uma promessa de controle.

Mas os sistemas baseados em pontos e patrocínios do Canadá, juntamente com sua posição geográfica, ajudam as comunidades a sentir um controle sobre a imigração, de modo que, mesmo que as novas mudanças mudem a política e a sociedade, a reação é mínima.

A face do populismo canadense

O resultado é um sistema inclinado fortemente contra os estrangeiros populistas.

Embora alguns tenham encontrado sucesso local, particularmente em Quebec, eles não conseguiram obter a força nacional. No fim da minha jornada em Toronto, participei de uma conferência realizada pelo The Rebel, um canal de mídia on-line chamado "Breitbart North" que uma vez parecia uma vanguarda populista do Canadá

Como a saída americana em Breitbart News, aumentou as más advertências sobre a lei da Sharia e as elites nefastas.

No ano passado, quando a onda conservadora aumentou em todo o mundo, o grupo rebelde jogou apoio tácito a um punhado de políticos. Um deles, Kellie Leitch, recebeu tempo televisivo e louvor enquanto procurava empurrar o populismo para o mainstream.

Mas este ano, quando Leitch concorreu pela liderança do Partido Conservador. Uma prova importante do apelo do populismo no Canadá foi que ela ganhou menos de 8% do voto, colocando o partido em sexto lugar.

Quando assisti à conferência de um dia dos rebeldes em Toronto, não vi nenhum político ganhando apoio – um forte contraste com a gala da Seva na noite anterior.

Tara Cox, uma professora de ioga, disse que tinha algumas preocupações com a Lei da Shariah(2), mas rapidamente acrescentou que "uma família síria mudou-se para nossa pequena cidade, e todos os receberam bem".

Quando um orador advertiu sobre as zonas muçulmanas onde não se deve ir em "todas as aldeias " na Grã-Bretanha, dizendo que o mesmo poderia acontecer no Canadá, não houve expressões de fúria da audiência, apenas murmúrios corteses de preocupação.

Esta era a face do populismo canadense. À medida que suas contrapartes se destacaram em toda a Europa e nos Estados Unidos, flexibilizam seu poder político contra normas estabelecidas. Havia uma multidão apática e de tamanho modesto, cujos membros pareciam conscientes de que tinham desempenho inferior, mas não podiam explicar o porquê

 

(1)       Comunidade religiosa de sincretismo entre elementos do hinduísmo e do islã em que de 23 milhões, 19 milhões se concentra na Índia.

(2)       Conjunto de leis islâmicas que são baseadas no Alcorão, e responsáveis por ditar as regras de comportamento dos muçulmanos.