Os dilemas de Catar

Como se esperava o Catar reagiu negativamente ao ultimato da Arábia Saudita. É impossível desligar a Al-Jazeera, afastar a base turca ou alienar-se ao Irã. Que irá acontecer?

Por Fernando Sobral

catar

 A resposta do Catar às humilhantes condições colocadas pela Arábia Saudita e pelos seus aliados para aliviarem o bloqueio ao país é a esperada. Doha rejeitou-as, afirmando que "o mundo não é governado por ultimatos". Não se esperava outra coisa: se o Catar se submetesse ao ultimato saudita, deixaria de ter vida própria.

O bloqueio é inquietante: 90% do Catar é um deserto e 40% das suas necessidades alimentares vêm através da fronteira saudita. É óbvio que os objetivos de Riade, por detrás da retórica da "luta contra o terrorismo" (que foi orquestrada durante a visita de Donald Trump) são claros: calar a voz incómoda do Catar, em termos de política externa, e o canal Al-Jazeera, que não tem a ver com a "voz única" que se escuta na menor das democracias da região, exatamente a Arábia Saudita. Além de querer isolar ainda mais o Irã, com quem Doha tem construído uma ligação diplomática. A par disso Riade não esconde que quer afastar o líder do Catar, o xeque al-Thani. Há dois problemas na estratégia saudita: o Catar acolhe a maior base americana na região e a Turquia também ali tem uma base que, com facilidade, pode albergar 5000 soldados.

Há também um outro fator: todos gostariam de deitar a mão ao gás natural catari. A estratégia da Arábia Saudita, onde há o dedo do príncipe herdeiro, responsável pela fraticida guerra no Iémen que tem causado milhares de vítimas inocentes e onde, por via disso, alastra uma epidemia de cólera, parece ser clara: mostrar que é o poder supremo no mundo árabe.

Para isso utiliza os seus recursos financeiros e conquista aliados na região e fora dela (o acordo de compras de armas aos EUA, num valor estratosférico, faz parte dessa forma de atuar). Basta pensar que o Iémen, que não tem companhia aérea, dispensou os serviços da Catar Airways e as Maldivas receberam uma promessa de investimento de 300 milhões de dólares e mais 100 milhões para 10 mesquitas de "grande nível".

As acusações ao Catar parecem, por isso, uma espécie de comédia trágica, sabendo os antecedentes da política externa saudita. A diversificada política externa do Catar, que soube aproveitar muito bem a importância e abertura da Al-Jazeera, garantindo modernidade ao país, tem sido uma dor de cabeça para Riade. Mas, para já, mais do que tudo é a ambição de Riade de ser a líder do mundo árabe e de passar a gerir o gás natural do Qatar que move os seus instintos.