Missa por um catador negro morto pela PM

Contra o terrorismo do Estado – uma enorme faixa, com estes dizeres, posta no chão ante o altar da Catedral da Sé (São Paulo), aos sete dias do assassinato do catador Ricardo Nascimento, resumia o sentido da missa ali celebrada.

Por José Carlos Ruy*

Missa em homenagem a Ricardo catador - Foto: José Carlos Ruy

Aquela frase era o protesto, semelhante ao de outras faixas que podiam ser vistas entre as pessoas presentes à missa, contra a violência da Polícia Militar de São Paulo, que assassinou, faz uma semana (dia 12) a tiros o carroceiro e catador Ricardo da Silva Nascimento, o Negão, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

A missa, que foi seguida por um ato público ocorrido nas escadarias da Catedral, reuniu milhares de pessoas – um padre calculou que eram oito mil pessoas dentro da catedral, que estava lotada apesar do frio intenso (10 º C) em São Paulo.

Lá estavam algumas celebridades – os jornalistas Juca Kfouri e Audálio Dantas, a atriz Letícia Sabatella, o ator Sérgio Mamberti e o padre Júlio Lancelotti (que é Vigário Episcopal para o Povo da Rua, participou da fundação das Pastorais do Menor e da Criança, teve papel determinante na formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e foi um dos celebrantes da missa de hoje em homenagem a Ricardo Nascimento).

Mas principalmente lá estavam entidades e líderes de movimentos populares, como comunidade LGBT, associações de catadores e de moradores de rua – entidades do movimento social, sobretudo representantes do povo negro e pobre da periferia.

Uma das faixas proclamava “Somos um povo que quer viver” – uma reivindicação simples que exprime a luta contra a PM e o Estado nos quais o morticínio de gente pobre e negra é praticado como se fosse política de governo.

 Ricardo Nascimento era negro, pobre e morador da periferia. Era um trabalhador informal, um catador, morto a tiros na frente de todos, numa rua movimentada, praticado de uma maneira que denuncia a certeza de impunidade que o policial responsável por esse crime parecia demonstrar. 

Ao falar aos fieis durante a missa, o padre Júlio Lancelotti recordou outros cultos semelhantes, em defesa da vida, contra a violência e denunciando semelhante autoritarismo assassino. Lembrou as missas a Frei Tito (1974), Vladimir Herzog (1975), a Santo Dias da Silva (1979), aos dez moradores de rua assassinados nas escadarias da Sé, em São Paulo (2004) -, numa veemente denúncia da violência policial que se repete em São Paulo.

A missa foi uma reafirmação do compromisso que a igreja católica de São Paulo tem com a luta do povo, pela democracia e em defesa da vida. E foi uma importante reafirmação da disposição do povo de São Paulo (seja das periferias, seja de bairros mais centrais, como em Pinheiros) de resistir contra a violência crescente que, nesta conjuntura nefasta que o país atravessa, cresce e dissemina o ódio. Foi um ato do povo de São Paulo em defesa da vida e do respeito a todos, independente da cor de sua pele, da posição social, do gênero ou opção sexual. Disposição indicada pela faixa que dizia “Paz entre nós, guerra ao sistema”



Missa em homenagem a Ricardo reúne multidão Protesto contra o assassinato de Ricardo (quinta-feira 13/07/2017)