O que está por trás da destruição da Unila?

Alunos e professores batalham para manter o propósito inicial de integração; autoridades nacionais e locais pedem o fim do projeto. #UnilaResiste e #UnilaFica são hashtags emblemáticas do movimento nacional e internacional que tenta barrar a emenda do deputado federal Sérgio Souza (PMDB-PR).

Por Willy Delvalle

Funcionários e estudantes protestam em Foz do Iguaçu - Click Foz do Iguaçu

A proposta é transformar a Universidade Federal da Integração Latino-Americana em Universidade Federal do Oeste do Paraná. Para a comunidade universitária, não se trata de uma ideia repentina, nem apenas de uma mudança de nome, mas do fim de um projeto geopolítico e social.

ORIGENS

Criada em 2010 pelo então presidente Lula, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana – ou simplesmente Unila – está sediada na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná, na fronteira trinacional entre Argentina, Brasil e Paraguai. Com o objetivo principal de representar uma contribuição educativa do Brasil ao processo de integração regional latino-americano, a instituição conta hoje com quase 1.300 alunos brasileiros e de outros países da América Latina.

“Precisamos renovar o Mercosul, para corrigir o que precisa ser corrigido, com o objetivo de fortalecê-lo, antes de mais nada quanto ao próprio livre-comércio entre seus países membros, que ainda deixa a desejar, de promover uma prosperidade compartilhada e continuar a construir pontes, em vez de aprofundar diferenças, em relação à Aliança para o Pacífico, que envolve três países sul-americanos, Chile, Peru e Colômbia, mais o México”. As palavras são do então ministro das Relações Exteriores José Serra, ao tomar posse do cargo no dia 18 de maio de 2016, no governo Temer, que, diz o tucano, leu o discurso junto a ele “linha por linha, fazendo seus comentários, que naturalmente levei em conta”.

São palavras que, no entender de Gisele Ricobom, professora de Relações Internacionais e Integração da Unila, abriram o caminho para o que hoje ameaça a instituição. “Desde que Temer assumiu o governo, houve uma alteração muito significativa nas relações exteriores do Brasil, especialmente em relação à América do Sul e à América Latina”, afirma.

Ela explica que o Brasil voltou a uma concepção que existia nos 1990, “de integração meramente mercadológica, com o Mercosul tendo sua finalidade voltada apenas para comércio intrabloco, jogando fora todo o capital construído a partir de 2003, um Mercosul ampliado, social e participativo, que também tinha por finalidade um desenvolvimento regional”.

De acordo com a professora, a proposta de Sérgio Souza se alinha aos interesses do governo Temer ao buscar parcerias que significam a dependência da Europa e dos Estados Unidos, “em detrimento de uma integração que ia muito bem, a exemplo da UNASUL e a CELAC”. Ela afirma que o país tinha um papel protagonista, agora deixado para trás. Protagonismo que incomodava a oposição e que, explica, se refletia na resistência sentida pela Unila não só agora.

“O senador Álvaro Dias, recentemente, se pronunciou contrário à Unila, no Senado, há uns três meses, dizendo que ela não se justifica, especialmente porque recebia alunos estrangeiros de outros países latino-americanos”, lembra.

“Há denúncias do funcionamento atípico desta universidade. Ela vive uma crise permanente, que perdura desde a construção de seu edifício até a sua constituição”, disse Álvaro Dias, em 6 de abril deste ano. Na tribuna, ele contestou o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), pela solicitação de informações que fez em novembro do ano passado sobre o funcionamento da Unila, como a quantidade de investimento de outros países na manutenção da instituição, quantidade de alunos estrangeiros por país e formação acadêmica dos professores.

“Nós precisamos conhecer para avaliar. É preciso saber que informações o Ministro da Educação tem a nos oferecer para que possamos avalizar as críticas, que são, muitas vezes, contundentes em relação a essa universidade, ou não avaliar”, discursou.

CIDADE

Se há resistência no âmbito nacional, também há no local, em Foz do Iguaçu (PR), onde a instituição está sediada. “A cidade está contra a universidade”, diz Malu Nogueira, 21 anos, estudante do sexto semestre de Saúde Pública na Unila. Ela está divulgando nas redes sociais a petição pública criada pela reitoria contra a proposta de Sérgio Souza. “Estamos em uma situação crítica”, avalia.

Grupos de outras universidades federais são onde ela espera encontrar adesão, porque no município, localizado na fronteira com a Argentina e o Paraguai, Malu não tem muita esperança. A estudante aponta a cobertura de parte da mídia local como um obstáculo entre a universidade e a população. Ela se refere especificamente à Rede Massa (afiliada do SBT), que pertence ao apresentador Ratinho, pai do secretário de desenvolvimento urbano do Paraná, Ratinho Jr. (PSD).

Malu aponta que, famosa por programas policiais, a emissora aborda assuntos envolvendo a Unila de forma negativa. “Falam de festas, das manifestações, sempre com um olhar depreciativo”, explica.

“Quando tem algum problema relacionado à alguma questão criminal e, porventura, há um aluno da Unila, a mídia sempre trata como ‘aluno da Unila’. Quando nós vemos a mesma coisa acontecer com outros estudantes, não vem lá o símbolo da universidade para difamar, como se fosse culpa da instituição”, observa Gisele Ricobom, professora da universidade. Ela explica que, apesar de ter havido melhora recente, a discriminação por parte da mídia ainda é muito sentida, “desde o primeiro dia da Unila”.

Tanto professora quanto aluna observam o impacto da universidade no município por meio dos projetos de extensão. “O relacionamento da Universidade com a comunidade está nas ações como o Cursinho Ingressa, cursos de idiomas, as oficinas do observatório (Lixo Zero, produtos sustentáveis), campanhas de vacinação, reforço de matemática gratuito”, cita Malu. A estudante lamenta o fato de muitas pessoas não conhecerem essas atividades. “Por outro lado, todas as pessoas que têm algum contato com a universidade mudam radicalmente de posicionamento. Mas realmente há uma resistência forte”, afirma Ricobom.

O fato de a Unila ter sido criada pelo governo Lula também repele parte da população, que é majoritariamente contrária ao partido do ex-presidente. “A fama da Unila é ser um projeto do PT”, diz Malu. “Infelizmente, a maioria apoia as políticas liberais. Apoia pelo senso comum. Não tem embasamento político, nem senso crítico para entender que universidade pública é um direito conquistado”, critica.

ÓDIO

“A cidade pratica xenofobia em relação aos alunos da Unila. A cidade não tinha conhecimento do subsídio estudantil que as federais proporcionam a alunos vulneráveis. Eles acreditam que os estrangeiros estão sendo sustentados pelo governo e ocupando vagas”, afirma Malu Nogueira, estudante de Saúde Pública. Conseguir alugar uma casa e ser associado a drogas são algumas das dificuldades contra estrangeiros.

Em maio do ano passado, o desprezo chegou ao extremo. Um haitiano foi atacado com garrafas de cerveja. Os agressores teriam dito: “Macaco, você só está aqui por causa da Dilma, mas agora você vai ter que voltar”. Mais de um ano depois, o medo parece ainda prevalecer. A reportagem tentou ouvir estudantes haitianos sobre o projeto proposto pelo deputado Sérgio Souza, mas nenhum aceitou falar.

Para Shyrley Aymara, peruana de 23 anos, mestranda de Relações Internacionais, o medo não é bem-vindo. “Temos muitas armas, muitas ferramentas para defender esse projeto educativo. Tem sido nossa casa por mais de quatro anos. Estamos convertendo Foz do Iguaçu nessa casa, nesse espaço e sabemos que ainda falta muito”, afirma.

Ela acredita que é função da universidade aproximar a comunidade do universo latino-americano, incompreendido por forças políticas que agora propõem a mudança da Unila. “É um ataque de forças políticas que não compreendem a América Latina e nunca a compreenderam além de um estado-nação. É um sentimento muito egoísta”, analisa.

Aymara afirma que os resultados da universidade não justificam uma mudança de nome e foco nesse momento. Ela cita os quase 400 alunos egressos da instituição por todo o Brasil, a América Latina e do mundo. “Não é fácil apagar uma identidade que construímos há mais de sete anos. E isso é histórico, o resultado de tantos anos de quem quer aproximar os povos da América”.

Formada pela Unila, ela retornou no primeiro semestre deste ano ao Peru, onde realizou um estágio no Instituto Internacional de Direito e Sociedade. “Pude trabalhar com povos indígenas, peruanos e equatorianos, na defesa de seus direitos. Essa visão indígena, latino-americana, eu não havia encontrado em outra universidade, nem sequer no meu país, e sim, na Unila”, defende.

CONSEQUÊNCIAS

Gisele Ricobom, uma das professoras pioneiras da Unila, acredita que uma das consequências de uma eventual aprovação da emenda será a evasão de docentes. “Hoje, a Unila tem na maioria esmagadora do corpo docente doutores, que foram para a universidade por conta de seu projeto diferenciado. Eu mesma não ficaria numa Universidade do Oeste do Paraná”, afirma. Sem professores, como manter os cursos de graduação?

Além disso, há o fato de que todos os cursos foram pensados para questões envolvendo problemáticas latino-americanas e seu combate. “Temos um eixo comum sobre a América Latina, obrigatório a todos os cursos, que certamente não existirá, não teria sentido manter numa universidade local”.

Ricobom observa que a atuação de Sérgio Souza, voltada para os interesses do agronegócio, levaria a uma reconfiguração da proposta dos cursos. “Uma readequação que não é latino-americana e sim do agronegócio. A maioria dos cursos foi avaliada pelo MEC com notas altas, 4 ou 5. Então, esses cursos serão reconfigurados de uma forma muito medíocre”, critica.

A professora tem tentado obter apoio de deputados de oposição para vetar a emenda. “Essa medida provisória como outras tantas no Congresso Nacional marcha para trás. Integração latino-americana para esse governo é palavrão. Vou conversar com outros colegas de oposição”, prometeu em resposta o deputado Wadih Damous (PT-RJ), em vídeo publicado por Ricobom nas redes sociais.

“É com essa mudança de conjuntura da política brasileira que se cria um ambiente para que um deputado tire da sua cabeça e coloque uma emenda numa medida provisória que apenas trata de financiamento estudantil. Nós vamos lutar para defender a Unila, como também defender a Unilab (universidade voltada para países lusófonos). Precisamos respeitar democraticamente os projetos estratégicos brasileiros”, disse a deputada Jandhira Feghali, do PCdoB, também em vídeo.

Ainda nas redes sociais, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) disse ser radicalmente contra a emenda do deputado. “Não podemos aceitar esse tipo de mutilação. A Unila vai resistir. Pode ter certeza que em qualquer circunstância estarei com vocês”, afirmou.

Gisele Ricobom acredita que a reitoria, também contrária à emenda, esteja tentando uma interlocução com a base aliada do governo Temer, tendo em vista ter sido indicada pelo Ministério da Educação. Para ela, a possibilidade de aprovação é baixa, mas há um detalhe a temer. “Como a emenda vem com um conjunto de mais de 100 medidas aditivas na mesma Medida Provisória, se os deputados não se derem conta que essa emenda está ali, muitos podem aprovar até por desatenção”.

Shyrley Aymara está confiante e convida a comunidade internacional a apoiar a instituição. “A Unila não está sozinha. A Unila somos nós e estamos em sua defesa. Cremos que ela tem um papel necessário para a América Latina e para os povos indígenas, para tantas outras formas de ver a vida e o mundo”.

OUTRO LADO

Sobre as críticas à cobertura que faz de assuntos envolvendo a Unila, o diretor de jornalismo da Rede Massa em Foz do Iguaçu, Fabiano Falkembach, à frente do cargo desde 2013, afirmou que elas não correspondem com a realidade da emissora.

Solicitamos uma entrevista com o deputado Sérgio Souza, autor da emenda que propõe as mudanças na Unila, mas não obtivemos resposta.