Aldo Rebelo: Capistrano de Abreu
A moderna historiografia brasileira nasce com a obra e a trajetória do cearense João Capistrano Honório de Abreu e seu livro Capítulos de História Colonial (1500-1800), publicado em 1907. Capistrano e sua atividade de historiador impõem-se até hoje como referência obrigatória para quem se aventura, por interesse ou paixão, no universo da história do Brasil.
Publicado 13/08/2017 12:37
Capistrano teve precursores; comerciantes, viajantes ou amadores que deixaram crônicas e registros dignos de nota. Alguns escreveram livros de verdade, mas nenhum foi historiador de ofício, profissional, e acima de tudo com o talento de Capistrano de Abreu.
O primeiro desses aventureiros foi Pero de Magalhães Gândavo, português, que publicou sua História da Província de Santa Cruz em 1576, em Lisboa. Outro português, Gabriel Soares de Sousa, editou em seguida, também em Lisboa, o Tratado Descritivo do Brasil (1587), revelando ao mundo o inventário conhecido da terra recém descoberta e exaltando suas potencialidades.
O primeiro cronista nascido na terra a dedicá-la um esboço biográfico foi o baiano Frei Vicente do Salvador com a publicação, em 1627, do seu História do Brasil. O Frei foi secundado por outro baiano, Sebastião da Rocha Pita, em 1730, com História da América Portuguesa.
Em 1819 aparece o primeiro brasilianista, o inglês Roberto Southey, autor de uma História do Brasil que escreveu a partir de pesquisas e informações recolhidas em Lisboa, onde vivera com o pai comerciante. Episódio importante de nossa historiografia constitui a publicação da História do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro, com sua visão enaltecedora da colonização portuguesa e da monarquia.
Quando Capistrano de Abreu surge é para fazer o primeiro esboço de uma história da formação social brasileira. O Capítulos de História Colonial é aberto com a descrição da presença e da influência indígenas na construção do Brasil, tentativa de aproximação do Brasil profundo e sertanejo, da civilização cosmopolita do litoral.
O louvável esforço de Capistrano padeceu das limitações da época, tanto das ideias quanto das fontes nas quais se baseou para suas pesquisas. Não escapou da visão pessimista que presidia o mundo intelectual sobre a civilização mestiça que se constituía no Brasil, depois tão combatida por Gilberto Freyre. Triste ironia constatar o retorno, hoje, das ideias racialistas agora importadas dos Estados Unidos por ONGs e movimentos sociais ditos progressistas.
Jaime Cortesão também aponta vício de fonte na apreciação que Capistrano faz da presença dos bandeirantes na formação do Brasil. De acordo com o historiador português autor de uma monumental biografia de Raposo Tavares, Capistrano toma de forma unilateral os relatos do jesuíta espanhol Antônio Ruiz de Montoya sobre os paulistas. Montoya era aberto e conhecido desafeto e inimigo dos bandeirantes, por espanhol e por jesuíta, e não perdoava aos aventureiros paulistas a perda de domínios da coroa espanhola e da Companhia de Jesus no Guairá (Paraná), Itatim (Mato Grosso do Sul) e Tape (Rio Grande do Sul), em jornadas comandadas por Raposo e seus seguidores. A verdade é que Capistrano incorpora a demonização dos bandeirantes produzida por Montoya, segundo Cortesão, parcial, duvidosa e viciada no interesse do religioso espanhol contra o adversário português.
Celebrar Capistrano de Abreu é homenagear seu esforço em defender e proteger a memória e a história do Brasil. Devemos compreender seus limites como parte das condições da época, mas exaltá-lo como homem de estudo, formador de gerações de historiadores brasileiros.