O "povo abstrato" e o Estado social "supermercado"
eprovado nas pesquisas e nas ruas com 94% de condenação popular, o governo de Michel Temer vê aumentar o número de manifestações nas ruas do Brasil que combatem as propostas de reforma da Previdência, de redução dos direitos trabalhistas e as desigualdades que acentuam a distância entre quem trabalha para sobreviver e os que detém o capital e o poder político.
Zillah Branco*
Publicado 24/08/2017 12:48
Desemprego, corte nas Bolsas Família, venda das empresas nacionais ao desbarato, perseguição aos manifestantes nas ruas e líderes de movimentos sociais, destruição das conquistas educacionais e de atendimento médico alcançadas pelos governos Lula, assassinatos de líderes camponeses, asfixiamento do setor produtivo, delapidação do patrimônio nacional, tentativa de destruição do Mercosul e da Alba, traição aos países latino-americanos em luta pela soberania nacional, submissão à política imperialista expansionista e criminosa que ameaça a humanidade e a natureza no Planeta – o governo golpista transforma o Estado Social em um "Supermercado SA" que vende os produtos com farta publicidade enganosa e não atende às necessidades reais da população consumidora. O povo não manda no seu país, existe como parte da paisagem.
Marx, no Manifesto Comunista refere esta condição da organização do Estado, disfarçada pela retórica ficcional da classe dominante que valoriza a aparência em detrimento da essência, com a frase: “Um comitê para gerir os negócios da burguesia” em lugar da representação popular.
O Governador do Maranhão, Flávio Dino, recomenda: "Cabe a quem governa não se perder no cipoal de burocracia, normas e contas. É preciso lembrar que cada decisão de Governo tem repercussões na vida de seres humanos, que são a parte mais importante da “contabilidade pública”.
Mas os fantoches golpistas não estão interessados nos seres humanos, apenas nos altos cargos que ocupam e na multiplicação das suas fortunas. Estão no poder mas são efêmeros, enquanto que a humanidade continua a sua evolução alcançada sempre com o trabalho e a transformação da realidade no sentido do progresso.
Quando o presidente Truman, dos Estados Unidos, determinou o uso da bomba atômica contra Hiroshima e Nagazaki no Japão para afirmar o seu poder depois da vitória soviética na segunda guerra mundial, os cientistas que tinham descoberto o uso pacífico da teoria atômica em benefício da humanidade, protestaram recebendo o apoio de milhões de defensores da Paz espalhados por todos os continentes. Hoje são os japoneses a proporem a paz a Trump, que sucede e faz recordar Truman há sete décadas atrás quando mandou matar mais de 200 mil civis japoneses em represália ao inimigo já vencido. Um chefe do governo imperial antiético e desequilibrado.
Ultrapassada esta fase de retrocesso no Brasil, o povo está com o conhecimento das suas necessidades para exigir um Estado soberano com organização das forças produtivas nacionais e condições de desenvolvimento social do povo trabalhador e dos técnicos e cientistas com os valores patrióticos que se requer. Um programa de governação realmente brasileiro, que respeite a soberania e a independência nacional, integrado na Comunidade latino-americana em luta, a partir do conhecimento objetivo da realidade humana, social e econômica para escolher brasileiros com caráter e competência para enfrentar responsavelmente a tarefa governamental e de transformação do atual estado/supermercado em Estado Social e Institucional.
Cada setor do Estado exige a defesa econômica e política para melhor aproveitar a riqueza do território e do conhecimento técnico para a produção – de energia, de transportes, de habitações, de infraestruturas, de saúde, de ensino, de segurança social, de segurança pública, de controle fiscal, de administração pública, de legislação e justiça, de organização do trabalho, de formação cultural e artística, da proteção ao ambiente, da produção agrícola e pastoril, etc. – e ainda a prestação de serviços à população com a qualidade que existiu em tempo de democracia – lembremos os debates sobre a escola pública, as manifestações sobre o "petróleo é nosso", a defesa das nacionalizações, a exigência da Reforma Agrária, a defesa da "Amazônia", a industrialização, e tantos outros projetos que apontavam a elevação do nível de capacidades de trabalho e de conhecimento científico e político adquirido para fundamentar o desenvolvimento nacional. O Brasil tem um patrimônio científico, técnico, cultural de alto nível capaz de colaborar com um programa de luta social, sindical e popular.
É urgente organizar a visão global do Estado através de estudos particulares sobre cada área de produção e de prestação de serviços públicos para que as instituições do Estado Brasileiro sejam conhecidas no seu conteúdo, no valor econômico e político, e também no exercício dos serviços prestados quanto à meta de atendimento social e não apenas "consumo de um produto" de mercado. Um aspecto a ter presente é o papel dos servidores diretos ao público que, apoiados por sindicatos podem agir solidariamente com o cliente popular apesar das pressões impostas pela hierarquia das chefias subordinadas a comportamentos muitas vezes contrários aos objetivos patrióticos.
Um exemplo de erros acumulados na produção e distribuição de recursos nacionais temos na história da energia elétrica no Brasil, que hoje está nas mãos de empresas privadas quando deveria constituir importante área do Estado na produção de energia e defesa da soberania nacional, estabelecendo a clara relação entre a função econômica e técnica de um Estado com a prestação de serviços à população (o Estado Social).
Ao serem contratadas empresas estrangeiras monopolistas em meados do século passado – como a Light e outras – o Estado perdeu a sua soberania e o Estado Social foi transformado em um balcão comercial ao serviço das multinacionais. O povo ficou à margem, apenas comprador do produto, e o país sofreu uma degradação política que se verifica até hoje. Decisões que alteraram a geografia e o ambiente nacional, como foram as de retificação do leito do rio Tietê e a inversão da corrente do rio Pinheiros em São Paulo, foram tomadas por engenheiros do Canadá e dos Estados Unidos à revelia dos moradores das suas margens, dos pescadores e navegantes, da população pobre e trabalhadora do grande e rico território do estado de São Paulo que, na sua maioria, desconhece esta imposição estrangeira ao curso das águas brasileiras. E este é apenas um exemplo visível, fotografado, registrado, do desrespeito pela soberania nacional.
Este mesmo abandono da função social do Estado hoje ameaça a escola pública dos três importantes níveis de ensino responsáveis pela formação dos cidadãos brasileiros de cuja inteligência e trabalho depende o progresso nacional. Para não falar da destruição do SUS em benefício de empresas privadas e laboratórios multinacionais; ou da Segurança Social que desconhece os acordos internacionais para que o trabalhador emigrante possa somar os benefícios adquiridos nos dois ou mais países onde trabalhou e descontou para o serviço previdenciário; ou da Agricultura que aceita a agro-indústria imposta pelas empresas estrangeiras de fertilizantes químicos e sementes transgênicas nocivos à saúde, etc. A lista de crimes de "lesa a pátria" é imensa e agrava-se com o colapso jurídico nacional e os cortes orçamentais que abrem caminho à miséria do povo em um país de território rico.
A definição de um programa reconhecido e apoiado pelo povo e fundamentado por cidadãos competentes ao nível da administração pública que já deram provas do seu saber e das suas convicções éticas e humanistas – portanto patriotas e democratas – é o que o Brasil hoje tem urgência em implantar.