Alexandre da Maia: Brasil – Vende-se

Passado o período crítico da votação da admissibilidade de abertura de ação penal por corrupção passiva contra o presidente Temer, o governo agora trabalha em uma frente que pretende promover, num curto espaço de tempo, modificações estruturais no estado brasileiro sem qualquer espaço de abertura democrática para além da ritualística do Congresso Nacional.

privatização brasil

Nesse pacote, vimos o anúncio de uma suposta “reforma política” posta como venda casada da privatização do setor energético brasileiro e até mesmo a Casa da Moeda, além da extinção, por meio do decreto nº 9.142, da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), com área equivalente a 47 mil km2, permitindo que essa área seja explorada por mineradoras privadas na extração de manganês, ouro, cobre, ferro etc. Para além de um debate em torno de ser ou não favorável ao processo de privatizações, é preciso ter em mente que o atual governo não busca dialogar com a sociedade, muito menos planejar as bases de desenvolvimento social que a “política” de privatizações ao menos em tese poderia concretizar. O Brasil foi posto à venda pelo governo Temer. Num debate em que apenas a equação financeira entra na discussão, ganha o leilão quem paga menos.

Um primeiro aspecto a ser abordado é a atitude do governo Temer de lançar esse emaranhado de mudanças estruturais ao mesmo tempo, de forma apressada e atabalhoada. Nada que envolva o futuro do Brasil e dos brasileiros pode ser resolvido apenas por interesses específicos e pontuais dos grupos econômicos que controlam a mídia e o poder político. Cada um dos temas propostos envolve, pela sua importância, formas plurais de interlocução com uma sociedade multifacetada e diversa. E isso leva tempo. Não pode ser feito a toque de caixa. Discutir simultaneamente reforma política, reforma da previdência, privatizações, exploração mineral na Amazônia é o mesmo que repensar todas as bases da caracterização do estado brasileiro enquanto tal. Colocar todos esses problemas ao mesmo tempo na imprensa mostra para nós duas conclusões: a) o governo não tem planejamento e faz o que os seus financiadores desejam; ou, paradoxalmente, b) a falta de planejamento pode ser uma estratégia para que se crie uma situação de informações superficiais vendidas como propaganda pela imprensa para permitir o ambiente político necessário às mudanças que o governo – ou melhor, o mercado rentista – quer.

A proposta de “reforma política” não passa de uma tentativa mal elaborada de construir uma blindagem jurídica à atuação política dos deputados e senadores. A proposta do assim chamado “distritão”, aproximando o Brasil da tradição democrática do Afeganistão, não foi bem recebida. O que vemos hoje é um grande dissenso quanto à possibilidade de uma mudança que tenha o apoio político necessário para aprovar uma emenda constitucional com esse teor. Mas nunca devemos subestimar a capacidade do parlamentar de se revirar e mudar tudo aquilo que é necessário para que nada de fato se altere.

Para além de um debate maniqueísta de ser ou não contra privatizações, um bom critério de análise é a nossa experiência nesse setor. Se observarmos as parcerias público-privadas (PPP) do estado de Pernambuco, por exemplo, vemos que há elementos nos modelos de negócio contidos nos contratos que são no mínimo inusitados, além da falta de efetividade plena de contratos mais robustos. Como exemplo do elemento inusitado, basta o seguinte dado: no texto original do contrato de PPP para a operação da Arena Pernambuco, havia uma cláusula que condicionava a eficácia contratual à realização dos 60 principais jogos da temporada dos times do Sport, do Náutico e do Santa Cruz na Arena. Ou seja, o contrato criava obrigações jurídicas a terceiros que em momento algum fazem ou fizeram parte da relação contratual. Como diria Garrincha, esqueceram de combinar com os russos.

Quanto à falta de efetividade, basta dizer que o mesmo contrato de PPP usado aqui como exemplo já está rescindido, com conflitos sendo dirimidos por arbitragem. O contrato previa vigência pelo período de 33 (trinta e três) anos. Não puderem conter as contingências dos abalos que chacoalharam as placas tectônicas brasileiras nos últimos anos, além do eterno problema da definição do custo final e total da Arena – um enigma que nem Champolion poderá decifrar. Outro exemplo a ser observado em âmbito nacional é o da privatização do sistema de telefonia, campeão absoluto no desfile de reclamações nos Procons de todo o Brasil. Talvez o problema deva ser recolocado. Ao invés de ser a favor ou contra, seria mais interessante discutir como a privatização poderia acontecer (qual seria o modelo mais adequado) e justificá-la a partir de uma discussão pública ligada a um projeto político de ação voltado às necessidades sociais. Mas o governo Temer não pensa, já que atua a partir dos interesses unicamente financistas, querendo que problemas complexos sejam resolvidos sem pensar nas múltiplas implicações que privatizações feitas ao badalar dos sinos podem trazer para o futuro do Brasil. Como consequência, em breve saberemos por quem os sinos dobram.

Temer foi além da profecia sombria de Raul Seixas e Cláudio Roberto que, na desilusão do “milagre brasileiro”, assim disseram no longínquo ano de 1980:

“A solução pro nosso povo eu vou dar
Negócio bom assim ninguém nunca viu
Tá tudo pronto aqui, é só vir pegar
A solução é alugar o Brasil”

O governo Temer vende o Brasil. E a preço de banana. Algo coerente àquilo que é a nossa República.