Temer infla novos fatos, mas revisão de delação não impede denúncia

Michel Temer e o que resta da sua base aliada estão empolgados com os novos fatos que tratam da delação premiada dos irmãos Batista trazidos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista coletiva nesta segunda-feira (4). A informação de que os donos do grupo JBS omitiram informações em suas delações foi comemorada por aliados do governo com fogos de artifício.

Por Dayane Santos

Michel Temer - Foto: Evaristo Sa/AFP

No entanto, apesar de o acordo de delação correr risco de ser rescindido, as provas obtidas não poderão ser anuladas. É o que afirma Afranio Silva Jardim, professor de Direito Processual Penal da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e procurador aposentado do Ministério Público do Rio de Janeiro.

“O fato de se quebrar o acordo de delação premiada não implica em desvalorização da prova ou nulidade da prova produzida. A lei 12.850/2013 é expressa nesse sentido. Ele [delator] perde o prêmio, mas a prova produzida licitamente é mantida. O documento e tudo que foi produzido vale como qualquer prova”, reforça Afranio.

Segundo o jurista, os fatos revelados até agora “não prejudicam em nada uma acusação que venha a ser feita ou já foi feita com base na prova produzida ou fornecida pelos irmãos Batista”.

Nas cordas, com rejeição recorde e com uma base aliada no Congresso esfacelada após ser denunciado pela PGR por crime de corrupção passiva, Temer trabalha para vitaminar as revelações trazidas pelos áudios e transformar em munição midiática contra Janot, eleito inimigo número um do governo.

Em Pequim, Temer disse que via com “serenidade” as investigações contra os ex-procurador Marcelo Miller, advogado de Joesley Batista. Ele foi apontando pelo próprio Janot como suspeito de ter cometido crime de prestar informações privilegiadas para o grupo.

O vice-líder do governo na Câmara, Darcísio Perondi (PMDB-RS), que integra a delegação de Temer em visita à China, celebrou a notícia com um post nas redes sociais, dizendo que a suspeita de que houve irregularidades na celebração do acordo inviabiliza nova denúncia contra Temer.

“Delação sob alta suspeita deve inviabilizar nova denúncia. Presidente Michel falará só no Brasil sobre a PGR. Está feliz”, escreveu Perondi no Twitter.

As delações de Joesley Batista e outros executivos do grupo J&F sustentaram a denúncia por crime de corrupção passiva e estavam estruturando a segunda denúncia contra Temer, por obstrução da Justiça e lavagem de dinheiro. A primeira foi engavetada pela Câmara em agosto, após muitas manobras, incluindo a liberação de mais de R$ 2 bilhões em emendas parlamentares.

A afirmação de Perondi dá o tom do discurso que o governo vai adotar para tentar reverter o efeito das gravações em que o próprio Temer, ao ouvir do empresário sobre as ações para comprar o silêncio de Eduardo Cunha, respondeu: “Tem que manter isso, viu?”. Em outro trecho, quando o empresário disse que estava corrompendo um juiz e um procurador para obter vantagens indevidas em processos contra a JBS, Temer disse “ótimo, ótimo”.

Assim que foi denunciado, Temer lançou suspeitas contra Miller, se dizendo vítima de uma grande conspiração para prejudicar o seu governo.

Provas continuam valendo

“Todas as provas continuam hígidas e válidas”, enfatizou Janot. O governo promete travar a guerra no tribunal midiático para desqualificar as denúncias, a mala com dinheiro e esvaziar os áudios que comprometem Temer. Isso porque nas quatro horas de gravações – feitas supostamente por engano –, os dois delatores citam condutas ilícitas na PGR, no Supremo Tribunal Federal (STF) e relativas ao ex-auxiliar de Janot, o procurador Miller.

Para o jurista Afranio Jardim, a situação atual do procurador Janot e do Ministério Público Federal é resultado do poder excessivo da instituição, em que o abuso da discricionariedade tem levado a um beco sem saída, expondo e fragilizando o órgão.

“A forma que são feitos esses acordos de delação premiada expõe muito as instituições, em que coloca o acordo de promotor com um criminoso confesso sob suspeita de isenção de pena ou beneficiá-lo. O que se diz da polícia, com ou sem razão, vai se passar a dizer do Ministério Público. O próprio procurador da República, Rodrigo Janot, diz que o assessor dele teria praticado uma conduta criminosa”, adverte.

E acrescenta: “É um poder discricionário do MP que, como ex-promotor digo, não fortalece a instituição. Pelo contrário, fragiliza. Expõe perante à opinião pública. Um acordo entre promotor e um criminoso confesso afasta a lei penal e a lei de execução penal. Dá regime aberto para pena de 20 anos, quando a lei diz que esse benefício é somente para penas de até 4 anos. Eles estão fazendo o que querem e dá nisso”.

Afranio salienta que essa tal “justiça pactuada”, que tenta copiar o sistema norte-americano, leva a qualquer cidadão a suspeitar da instituição.

“Por que o promotor fez aquele acordo? Por que não fez? Como se tem dito muito por aí que o MP não quis fazer o acordo. Por quê? Porque queria que acusasse A ou B e não acusou. O colaborador, o denunciante quer o prêmio. E ao obter o prêmio procura agradar a polícia e o MP”, pontua.

De acordo com o professor da UERJ, trata-se do “negociado sobre o legislado no processo penal”.

“É um perigo muito grande. A Justiça do Trabalho não aceita esse tipo de acordo, pois são feitos em circunstâncias – mesmo um acordo trabalhista ou civil – em que um tem mais resistência ou força que o outro. Uma parte tem mais conhecimento que a outra. Um contrato nunca é um acordo entre partes iguais e a mesma coisa acontece nesses acordos [delação]: de um lado a polícia e o MP e de outro a parte fragilizada, ainda que criminosa, querendo agradar e dizer o que a outro quer ouvir.”