Desnacionalização da indústria impede a retomada do desenvolvimento

A crescente desnacionalização da indústria brasileira, com a venda de ativos brasileiros para grupos estrangeiros desencadeada pelo governo de Michel Temer, impacta o desenvolvimento econômico e social e preocupa os economistas presentes no 22º Congresso Brasileiro de Economia, encerrado nesta sexta-feira (8) em Belo Horizonte. Para eles, setores estratégicos da economia devem ser controlados por empresas nacionais.

Michel Temer - Valter Campanato/Agência Brasil

Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), disse que a proposta de privatização da Eletrobras é um erro. Ele desmontou o discurso de “eficiência” usado para justificar a privatização.

“Não é questão de ser estatista ou não. É só ver a realidade dos países desenvolvidos. Às vezes, fica essa conversa sobre ineficiência. É uma bobagem. A Telebras, que era pública, foi privatizada, virou a Oi e hoje está completamente endividada. A Vasp foi privatizada e quebrou”, disse.

Ele avalia que não se pode relacionar empresa estatal à ineficiência e corrupção e empresa privada à eficiência e ao trabalho ético. “Alemanha e Noruega têm parte significativa da sua indústria estatizada. A Volkswagen, que é um sucesso, tem 30% do seu capital ligado ao estado da Baixa Saxônia. Na China, 75% das principais empresas são estatais e é a economia que mais cresce no mundo”, frisou.

Nelson José Hubner Moreira, presidente do Conselho de Administração da Light, afirma que a estatal exerce um poder indutor da economia nacional. ”O setor elétrico, ao mesmo tempo em que precisa ter energia barata para incentivar os demais setores industriais, é altamente intensivo e comprador desses outros setores industriais. Ele alavanca a própria indústria. Você pega, por exemplo, a energia eólica. A Eletrobras proporcionou o desenvolvimento de um parque, inclusive com diversas empresas de capital internacional que aqui se instalaram, mas que desenvolvem tecnologia aqui, geram renda e emprego aqui”, destacou.

Segundo Miragaya, o crescimento do Brasil depende da formação de um parque industrial robusto. Mas o governo caminha na contramão. O setor de pesquisa e tecnologia é profundamente afetado pelos cortes de Temer. O orçamento previsto para 2018 é de R$ 1,5 bilhão, uma redução de 76% se comparado ao orçamento de 2015, da presidenta Dilma Rousseff.

Para Miragaya, as grandes corporações estrangeiras mantêm suas áreas de pesquisa, tecnologia e desenvolvimento nos países onde estão suas matrizes, ao invés de desenvolver a pesquisa no Brasil. Ele cita a indústria de fertilizantes, que seria fundamental para a economia brasileira gerar emprego e renda, mas infelizmente o país é hoje um grande importador.

Exemplos de proteção à industria nacional são muito comuns em todo o mundo. Em abril, o governo dos Estados Unidos anunciou a possibilidade de criar taxas para importação do aço, de forma a fortalecer as empresas do setor sediadas em seu território. Há alguns anos, a China vetou que a Coca-Cola comprasse a Huiyuan, maior fabricante de sucos no país.

Na visão de Antonio Correia Lacerda, doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o potencial da economia brasileira é subaproveitado pela ausência total de uma política industrial sólida. “O Brasil é dos poucos países do mundo que não precisa escolher entre ser bom no complexo agromineral ou na indústria ou nos serviços. Temos economia de estado, condições climáticas e território vasto para atuarmos em vários setores. Isso não é pra quem quer. É pra quem pode. E só quatro ou cinco países no mundo têm essa possibilidade”, disse Lacerda, após receber o prêmio Personalidade Econômica do Ano de 2016, na abertura do congresso.

Ele destacou que a agricultura brasileira, um dos setores produtivos de sucesso no país, não se desenvolveu baseado apenas na eficiência microeconômica dos agricultores. “Houve uma política de Estado. O papel da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], por exemplo, foi fundamental. E isso foi feito com investimento público, com políticas públicas. Foi ela quem desenvolveu a soja no Cerrado, que foi a grande revolução que tivemos na agricultura e que depois teve grande impacto também na pecuária.”

Para ele, a indústria nacional precisa ser alavancada e, para ter um crescimento sustentável, o Brasil precisa de investimentos. “O argumento principal para o ajuste é o de que o Estado deveria funcionar como o orçamento familiar ou como uma empresa. E nós sabemos que isso não é possível. É justamente na crise que o Estado precisa investir, fomentar oportunidades. Não é qualquer gasto, mas é o gasto que tem efeito multiplicador. E também tem efeito demonstrador, porque estimula outros agentes a também aplicarem recursos no país. O ajuste pelo ajuste não se sustenta. A prática de juros elevados e o corte sucessivo de investimentos levam a mais recessão.”