Graça Machel diz que desigualdade no Brasil lembra África

Durante a conferência de abertura do Fórum CEO Brasil, do Experience Club, em Mata de São João, na Bahia, a moçambicana Graça Machel, ativista de direitos humanos e viúva de Nelson Mandela, afirmou que a elite tem uma responsabilidade histórica de reduzir as desigualdades e destacou os avanços obtidos durante o governo Lula para quebrar a hegemonia e abrir caminho para o mercado africano.

Graça Machel - Reprodução

Segundo ela, o Brasil e a África são muito parecidos, “para o bem e para o mal, em sua gente amável e também em seus graves problemas sociais de pobreza e violência”.

“O Brasil é uma sociedade muito vibrante, pela mistura da imigração. Mas a desigualdade social aqui é como na África. Há muitos ricos, mas também tem os níveis de pobreza mais degradantes, como em muitos países africanos”, declarou Graça.

Falando para uma plateia de cerca de cem presidentes de empresas brasileiras e multinacionais, Graça disse que, apesar dos avanços, a desigualdade brasileira ainda esta presente e é ignorada pela classe empresarial.

“Vim de tão longe, atravessei o Atlântico, mas quando mergulhei na periferia de Salvador, fiquei pensando: ‘Será que eu saí mesmo da África, saí de Moçambique?’ Os cenários que eu vi são exatamente iguais aos do meu próprio país”, afirmou.

Graça Machel citou Lula e a sua relação com a África, destacando a importância de países emergentes se unirem para ter mais força na relação com nações desenvolvidas.

“O Brasil, no tempo de Lula, abriu-se muito para a África, não só no interesse de negócios, mas para quebrar a hegemonia do Norte [países desenvolvidos] sobre o Sul [países emergentes] e fazer uma relação Sul-Sul. O Norte vai ter de baixar um bocadinho a crista e olhar de frente para nós.”

Para ela, os empresários brasileiros devem fazer a sua parte para reduzir as diferenças entre ricos e pobres. “É uma responsabilidade histórica de vocês”, reforçou, apontando que a igualdade de salários e de oportunidade para as mulheres são fundamentais. Ela também criticou o fato de haver tão pouca representação feminina na direção de empresas, não só no Brasil, mas no mundo todo.

“Vocês produzem milhões, mas também devem ajudar milhões de pessoas. É uma responsabilidade histórica da qual não podem se escusar. Há que se reverter a situação em que poucos têm muito e muitos têm pouco”, reforçou.

Em entrevista ao jornal Correio da Bahia, a ativista, que foi casada com o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela e, antes, com Samora Machel, ex-presidente moçambicano, fez questão de ressaltar que nunca aceitou restringir-se ao papel de primeira-dama: “Nunca fui primeira-dama. Estive, sim, casada com dois homens sensacionais e que exerceram funções de Estado, mas eu não exerci funções de primeira-dama. Fui, sim, ministra da Educação, precisamente no período em que meu então marido era presidente em Moçambique. Na África do Sul, não exerci função de primeira-dama. Me recusei a ‘vestir esse casaco’, então não sei qual a função de uma primeira-dama. Mas sei que aquela posição não depende diretamente de eleição, então não sei de onde vem a legitimidade”.

Cotas

Ela destacou a importância da política de cotas para reduzir as desigualdades.Ela enfatizou que, diferentemente do Brasil, as cotas na África do Sul não são mecanismos exclusivos do setor público.

“Nos conselhos de administração de empresas do setor privado, deve haver cotas de mulheres e de não-brancos. Se a empresa quer ter acesso, por exemplo, a contratos com o governo, é necessário que ela atinja uma determinada cota. E isso acelerou esse processo de integração”, frisou.

E acrescenta: “Nos meus países, temos estratégias concretas para promover a integração. Outras nações, no entanto, talvez contestem. No países do sul do continente africano, os partidos que chegaram ao poder estabeleceram, deliberadamente, mecanismos para que houvesse mais mulheres no poder, nos órgãos de decisão”.