Com Temer, TV Brasil cancela programa de Lalo Leal que debatia mídia
No ar desde 2006, o programa Ver TV, apresentado pelo jornalista e professor Laurindo Lalo Leal, foi cancelado pela TV Brasil, que é gerida para EBC (Empresa Brasil de Comunicação), hoje sob o comando de Michel Temer. O programa único no país, debatia o conteúdo e a qualidade da programação exibida pelas emissoras brasileiras. Em entrevista ao Portal Vermelho, Lalo lamentou a decisão e considera que é mais um retrocesso do golpe.
Por Dayane Santos
Publicado 25/09/2017 13:45
"Um dos primeiros atos do governo golpista foi acabar com o Conselho Curador da EBC, que era o órgão que garantia a face pública da empresa com a presença da sociedade. A EBC passa a ser uma empresas estatal e deixa de ter o viés público. Aliás, contrariando a própria Constituição, que prevê a complementariedade entre os sistema público, privado e estatal. Acabou com o público ao tornar a EBC uma emissora estatal", enfatizou.
Lalo destaca que o Brasil entrou muito atrasado na construção da comunicação pública e está destruindo os avanços obtidos com rapidez.
"Em termos nacionais, só com a criação da EBC, em 2007, que se construiu a comunicação pública brasileira, ainda assim a duras penas, com várias dificuldades. Muito atrasada em relação à Europa, que começou com a comunicação pública e só mais tarde permitiu as emissoras comerciais. Estávamos atrasados em pelo menos 80 anos", disse. "Agora, é destruída com apenas uma penada", completou.
Questionado de considerava o fim do programa como uma "caça às bruxas" por parte do governo Temer, Lalo afirma as informações oficiais dão conta de um problema de custo.
Por meio de nota, a TV Brasil informou: “Em função da grave restrição orçamentária pela qual passa a EBC. Só neste ano, o orçamento da empresa sofreu um contingenciamento de 43%, o que tem forçado a direção a fazer ajustes e cortes na programação”.
Lalo lembrou, no entanto, que logo que chegou ao poder, o governo Temer cancelou os contratos com jornalistas que faziam duras críticas ao golpe como Tereza Cruvinel, Paulo Moreira Leite, Luis Nassif.
"A TV Brasil, que a cada dia mais se parece com a 'TV Temer'", resumiu o jornalista Altamiro Borges, do Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé, sobre o fim do programa. Para ele, a restrição orçamentária é uma "desculpa esfarrapada".
"Na prática, o covil golpista deseja cercear qualquer voz dissonante e agradar os barões da mídia monopolista, que protagonizaram o golpe dos corruptos", asseverou.
O jornalista Mauricio Stycer, da Folha, também considerou um retrocesso. “Era o único programa no ar com a proposta de debater o conteúdo e a qualidade da programação exibida pela televisão… Na condição de crítico de televisão, participei de alguns debates do ‘Ver TV’, sempre sobre temas relevantes e com pluralidade de vozes. Lamento pelo fim do programa”.
Dez anos no ar
Exibido desde 16 de fevereiro de 2006, o Ver TV era o único programa que debatia o conteúdo e a qualidade da programação exibida pela televisão. Desde o golpe de 2016, o programa deixou de ser produzido e a TV Brasil vinha exibindo reprises.
"Durante esse 10 anos, passaram pelo programa pessoas bastante conceituadas, tanto na área acadêmica como da área de profissionais de comunicação. O programa tinha forte participação acadêmica, mas também de quem faz TV", lembrou Lalo.
"Costumava dizer que a televisão discute, bem ou mal, o que é assunto no momento, menos ela mesma. Nem mesmo nas novelas isso é tratado", enfatiza o jornalista, que destaca que o programa tinha conquistado um público cativo e atingia 2 pontos de audiência, só perdendo para os programas infantis, que era a maior audiência da emissora.
Ele explica que o interesse ao programa era o fato de tratar de temas inusitados na televisão. "O sujeito estava zapiando e se deparava com um debate sobre o mal que a publicidade faz para as crianças. É um assunto tabu na televisão por cousa da publicidade, então não se discutia esse assunto", explicou Lalo.
De fato o programa debatia temas espinhosos, como a violação dos direitos humanos nos programas policialescos, que ocupam boa parte da grade das emissoras de grande audiência no país. "Foi uma pauta constante do programa essa violação dos direitos humanos feitas por esses programas e a repercussão disso na infância e entre os idosos", sublinhou.
Lalo enfatizou ainda que tais temas só poderiam ser abordados em uma emissora pública, justamente por não ter a publicidade como mantenedora.
"Não era apenas um programa de entretenimento ou de crítica. Tinha uma pegada pedagógica. As pessoas me encontram e dizem que aprenderam muito com o programa, porque através da participação de especialistas prestávamos informações que não não circulam na sociedade. As pessoas viam o programa como um nova fonte de informação e mais do que isso, de aprendizado. Por meio daquele programa, passavam a ver a comunicação de outra maneira", destacou.