A indiferença da União Europeia quanto à realocação dos migrantes

Menos de 28 mil pessoas foram acolhidos. O voto da Alemanha ameaça parar a reforma da Convenção de Dublin, acordo que assegura os direitos de asilo e amparo para os refugiados

refugiados

A coincidência não poderia ser pior. Na segunda-feira (25) expirou a validade para os termos fixados dois anos atrás na Comissão Europeia de Dublin para o programa de reassentamento aos requerentes de asilo na Itália e na Grécia. As eleições na Alemanha, que resultaram em uma forte reafirmação da extrema-direita, acabaram se sobrepondo a data.

O resultado da votação não significa nada de positivo para as políticas imigratórias que Bruxelles poderia adotar; aliás, podem significar uma ameaça.

O projeto de realocação de migrantes foi tratado de maneira hostil pelos países da União Europeia (UE), que relutaram em aprovar a proposta feita pelo presidente da Comissão Jean Claude Juncker em 2015, que consistia em distribuir 160 mil refugiados (em sua maioria africanos e iraquianos) abrigados na Itália e na Grécia entre os outros países da Europa.

Apesar aprovação do acordo, em 24 meses apenas 27 mil refugiados foram efetivamente transferidos, contra os 6 mil por mês previstos por Juncker. Dos acolhidos, apenas 8 mil vieram da Itália.

Segundo dados do governo italiano, são mil duzentos e cinquenta e seis os pedidos de transferência já aprovados, dos quais 992 estão à espera da resposta do país anfitrião. Enquanto isso, mil cento e noventa e cinco são os casos em que o país receptor ainda deve ser identificado.

Na manhã da segunda-feira (25), o comissário da Imigração da UE Dimitri Avramopoulos solicitou aos Estados-membros que prorroguem o programa, propondo continuar com as realocações até que a proposta para a reforma da Convenção de Dublin seja lançada.

O perigo está na amargura pela falha da primeira proposta do programa, que pode se transformar em ameaça a defesa dos diretos imigratórios. A Itália tem pressionado cada vez mais pela mudança do termo que define o país como o primeiro responsável pela chegada dos imigrantes; junto a ela, França e Alemanha foram encarregadas do cuidado com os refugiados.

Contudo, a chancelaria de Angela Merkel adiou todas as discussões sobre acolhimento e proteção aos direitos dos refugiados para depois das eleições no país. Agora que o resultado foi divulgado, as primeiras declarações da ministra sobre o assunto pareceram indiferentes quanto a colaborar para o acordo de Dublin. “Devemos entender os medos dos eleitores do Alternativa para a Alemanha (AfD) e reconquista-los” declarou após a votação, referindo-se ao partido de extrema-direita que chegou a 12% de aprovação.

O alto índice de confiança depositada no AfD mostra quantos alemães são contrários ao acolhimento dos migrantes e desejam o bloqueio da reforma de Dublin. Hungria, República Checa, Polônia e Eslovênia estão na mira da Comissão da UE. A Áustria foi notificada para votar em menos de um mês; o país tem Sebastian Kurz como ministro das Relações Exteriores, que já fez declarações de que os imigrantes deveriam ser confinados na ilha italiana de Lampedusa.

Enquanto isso existe a ameaça de mudanças no Tratado Internacional de Schengen, que prevê a abertura das fronteiras entre os países signatários. França, Alemanha, Áustria, Noruega e Dinamarca requereram em documento a simplificação das normas que autorizam a restauração do controle sobre as fronteiras internas, prolongando sua vida até dois anos (e não mais de seis meses renováveis por até três vezes como é hoje).

A justificativa para o pedido foi a preocupação com segurança em relação a ataques terroristas, contudo o intuito era também barrar os imigrantes. O próprio Avramopoulos anunciou que poderá apresentar as mudanças no final de setembro, atendendo também a outro pedido originário de Berlim e Paris: acelerar o “regresso voluntário a pátria” dos irregulares. “No momento em que apenas 36% dos imigrantes que não tem o direito de permanecer na União Europeia são repatriados, é claro que todos os envolvidos devem aumentar o seu trabalho de forma significativa”.

A Convenção de Dublin

Devido a emergência dos desembarques e do drama dos refugiados em número crescente, a União Europeia se comprometeu unir esforços para fazer uma revisão no Regulamento de Dublin, criado em 1990 e oficialmente reformulado pela última vez em 2003.

Entre 2015 e 2016 a comissão europeia se comprometeu em reformular o tratado para que haja uma melhor distribuição dos migrantes pelos diversos países europeus; além disso, algumas regras poderiam sofrer mudanças, como a hipótese de instituir um único processo para decidir o veto ou não de um pedido de asilo.